terça-feira, 22 de abril de 2014

Do jornalista Daniel Oliveira, no jornal "Expresso"



Página InicialBloguesAntes pelo contrário ⁄ As contradições de Passos Coelho em entrevistas não "confrontacionais" (atualizado)











As contradições de Passos Coelho em entrevistas não "confrontacionais" (atualizado)
Daniel Oliveira 8:00 Segunda feira, 21 de abril de 2014


28 65

2

126
TEXTOAAIMPRIMIRENVIAR


Há qualquer coisa em Passos Coelho que faz com que as pessoas lhe tolerem com alguma bonomia todas as suas mentiras. Ou que pelo menos não se indignem como se indignavam com Sócrates ou com Durão Barroso ou como se continuam a indignar com Portas. Talvez seja o ar grave e sereno com que mente. Talvez seja o estilo "pai tirano" que adotou e que sempre foi do agrado de muitos portugueses. Talvez seja a boa colocação da sua voz. É seguramente o mesmo que leva a que ninguém investigue seriamente o seu passado empresarial como os de outros governantes foram investigados. Que saia uma reportagem onde se explica como Miguel Relvas continua a fazer tráfico de influências junto do governo e do primeiro-ministro e Passos Coelho nem sequer seja confrontado com isso. Andem uns anos para trás, nos tempos em que vivíamos em "asfixia democrática", e imaginem se tal complacência seria possível.

Há uma benevolência da comunicação social com Passos Coelho que já não se usa. Querem o melhor exemplo? O espaço de opinião de José Sócrates, transformado numa "entrevista confrontacional", foi aplaudido pela maioria dos jornalistas. A entrevista de José Gomes Ferreira a Pedro Passos Coelho, transformada num espaço de opinião partilhada (à semelhança do encontro amigável de Passos Coelho com uns cidadãos, na RTP), não provocou grande incómodo nos intrépidos defensores do jornalismo corajoso e independente. Na realidade, a entrevista foi tão fácil que Passos Coelho acreditou que os país era composto por milhões de gomes ferreiras. E desembestou num chorrilho de mentiras sem pensar que havia um dia seguinte.

Antes de tudo, houve as afirmações que nós próprios poderíamos ter verificado.

Quando Passos Coelho disse, sem pestanejar, que o nosso sistema de pensões não é sustentável, ignorando as reformas que foram feitas por Vieira da Silva, há pouco mais de sete anos. Um sistema de pensões, que se baseia na previsibilidade e na confiança de quem faz descontos para ele, não se pode reformar de sete em sete anos. Mas, acima de tudo, não pode ser o primeiro-ministro a garantir que ele é insustentável sem se basear em dados indesmentíveis ou estudos sérios. Quem passa a vida a falar da nossa credibilidade junto dos nossos financiadores devia recordar-se de quem são os financiadores do sistema de pensões e da importância da credibilidade deste sistema para que os cidadãos o continuem a financiar.

Quando afirmou que os cortes nas despesas de funcionamento de Estado foram, entre 2010 e 2013, de 1600 milhões de euros, ignorando que entraram nas contas de 2010 os 880 milhões dos submarinos de Paulo Portas. Se retirarmos esse custo excepcional, da responsabilidade do seu atual vice, o corte ficou-se pelos 754 milhões. Menos de metade.

Quando disse que vai "desonerar os salários e pensões", talvez em 2016 (antes das últimas eleições também não ia reduzir os salários), no mesmíssimo momento em que anunciava que os cortes temporários passarão a definitivos, substituindo a CES por uma nova forma de cálculo das pensões e os cortes nos salários dos funcionários públicos por uma nova tabela remuneratória única. Ou seja, diz que vai desonerar no mesmíssimo momento em que transforma a oneração provisória em definitiva.

Quando mistura prestações sociais que resultam de contribuições com prestações não contributivas, para falar de "condições de recurso". Ou quando põe em pé de igualdade cortes feitos pelo anterior governo em salários a partir de 1500 euros e cortes feitos pelo seu, a partir de 675 euros.

Mentiras, jogos de palavras, falta de rigor. Mas os esclarecimentos sobre alguns temas da entrevista acabaram por vir em desmentidos do próprio governo, mostrando o completo desnorte que se vive na coligação.

Depois de Passos Coelho ter anunciado que um relatório sobre a reforma do CES e das pensões tinha sido entregue a Maria Luís Albuquerque (Pedro Mota Soares é uma jarra no Conselho de Ministros), os seus supostos autores mostraram-se espantados por desconhecerem por completo o documento que terão escrito. Ou seja, temos o primeiro relatório de "sábios" feito à revelia da sua sabedoria.

Depois de Passos Coelho desdizer Portas e garantir que "não há nenhuma promessa para baixar o IRS" e que esta poderia vir a acontecer apenas em 2016, Paulo Portas explicou que, ao contrário do que disse Passos Coelho, o governo vai "inverter a trajetória de agravamento do IRS" já "nesta legislatura". Para defender este ponto de vista, Portas até se socorreu do guião da reforma do Estado que ele próprio escreveu. E conseguiu concluir que entre ele e o primeiro-ministro não havia qualquer divergência.

Mas sejamos justos com Passos Coelho. Não é o único a improvisar. A diferença é que Maria Luís Albuquerque nem precisa de companhia para o fazer. Na mesma semana, a ministra das Finanças anunciou uma nova taxa para penalizar o consumo de produtos nocivos à saúde. O governo que não quer o "Estado paizinho", prefere ter o "Estado avozinha". Na hora da refeição, zela por uma alimentação saudável. Liberal no pouco que nos dá e estatista no muito que nos exige. Suponho que o Ministério das Finanças nomeará uma comissão de sábios nutricionistas que definirá uma dieta nacional obrigatória. Talvez até venha a fazer um relatório sem que alguma vez o tenha conhecido.

Mas estou em delírio. A forma vaga como a ministra apresentou a coisa - "poderão ser equacionados contributos adicionais do lado da receita, designadamente na indústria farmacêutica, ou de tributação sobre produtos que têm efeitos nocivos para a saúde" - já indiciava que Albuquerque estava, como Passos Coelho esteve na entrevista que deu, a inventar enquanto falava. Dúvidas houvesse, Pires de Lima, em mais um desmentido, explicou: "É um ficção, um fantasma que nunca foi discutido em Conselho de Ministros e cuja especulação só prejudica o funcionamento da economia". Estou à espera de ver Passos Coelho dizer, como disse em relação aos novos cálculos para as reformas, que tudo isto não passou de ruído vindo da oposição e de comentadores.

Quem, em tanto improviso, está a mentir? Nem eles sabem ao certo. Apenas sabemos que, Passos e Albuquerque, sempre de semblante austero e palavras rigorosas, são desmentidos a cada coisa que dizem. Tivessem os dois direito a entrevistas mais confrontacionais, suspeito que não precisavam de muitos minutos para tropeçarem nas suas próprias palavras. Esperemos que Passos seja ex-primeiro-ministro. Talvez então venha a ser confrontado com as suas próprias contradições.

Por responsabildade minha existia, fruto de um problema técnico, nos dois últimos parágrafos, uma parte do texto fora do lugar. Já está corrigido. Ficam as minhas desculpas aos leitores.




Ler mais: http://expresso.sapo.pt/as-contradicoes-de-passos-coelho-em-entrevistas-nao-confrontacionais-atualizado=f866341#ixzz2zbLATWF1

Sem comentários:

Enviar um comentário