sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Literatura Portuguesa:

Sobre "Eurico, o Presbítero", de Alexandre Herculano(1810-1877)-

Através de criacoesdaalma.blogspot.pt

(Uma obra do Período Romântico, dada no Ensino Secundário, há alguns anos. Ainda tive a honra de a "dar" aos meus alunos... Escolhi, na net, este extracto, que vos deixo, para reavivar o amor pela obra do grande autor.)

I - O CORAÇÃO DO PRESBÍTERO

O presbítero Eurico era pastor da pobre paróquia de Cartéia. Descendente de uma antiga família bárbara, gardingo na corte de Vítiza, vivera os ligeiros dias da mocidade no meio dos deleites da opulenta Toletum. Rico, poderoso, gentil, o amor viera, apesar dissoquebrar a cadeia brilhante da sua felicidade. Namorado de Hermengarda, filha de Fávila, Duque de Cantábria, o seu amor fora infeliz. O orgulhoso Fávila não consentira que o menos nobre gardingo pusesse tão alto a mira de seus desejos.

Depois de mil provas de um afeto imenso, de uma paixão ardente, o moço guerreiro vira submergir todas as suas esperanças. Eurico era uma dessas almas ricas de sublime poesia a que o mundo deu o nome de imaginações desregradas, porque não é para o mundo entendê-las. Desventurado, o seu coração de fogo queimou-lhe o viço da existência ao despertar dos sonhos de amor que o tinham embalado. A ingratidão de Hermengarda, que parecera ceder sem resistência à vontade de seu pai, e o orgulho insultuoso do velho prócere deram em terra com aquele ânimo, que o aspecto da morte não seria capaz de abater.

A melancolia que o devorava, consumindo-lhe as forças, fê-lo cair em longa e perigosa enfermidade, e, quando a energia de uma constituição vigorosa o arrancou das bordas do túmulo, semelhante ao anjo rebelde, os toque belos e puros do seu gesto formoso e varonil transpareciam-lhe a custo através do véu de muda tristeza que lhe entenebrecia a fronte. O cedro pendia fulminado pelo fogo do céu.

Uma destas revoluções morais que as grandes crises produzem no espírito humano se operou então no moço Eurico. Educado na crença viva daqueles tempos, naturalmente religioso porque poeta, foi procurar abrigo e consolações aos pés de Aquele cujos braços estão sempre abertos para receber o desgraçado que neles vai buscar o derradeiro refúgio. Ao cabo das grandezas cortesãs o pobre gardingo encontrara a morte do espírito, o desengano do mundo.

Ao cabo da estreita senda da cruz acharia ele, porventura, a vida e o repouso íntimos? Era este o problema, no qual se resumia todo o seu futuro, que tentava resolver o pastor do pobre presbitério da velha cidade do Calpe.

A nova existência de Eurico tinha modificado, porém não destruído, o seu brilhante carácter. A maior das humanas desventuras, a viuvez do espírito, abrandara, pela melancolia, as impetuosas paixões do mancebo e apagara nos seus lábios o riso do contentamento, mas não pudera desvanecer no coração do sacerdote os generosos afectos do guerreiro, nem as inspirações do poeta. O templo havia santificado aqueles, moldando-os pelo Evangelho, e tornado mais solenes, alimentando-as com as imagens e sentimentos sublimes estampados nas páginas sacrossantas da Bíblia.

O entusiasmo e o amor tinham ressurgido naquele coração que parecera morto, mas transformados; o entusiasmo em entusiasmo pela virtude; o amor em amor dos homens. E a esperança? Oh, a esperança, essa é que não renascera!"(...)

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