quinta-feira, 24 de novembro de 2011

LITERATURA PORTUGUESA:Fernando Pessoa


FERNANDO PESSOA (1888-1935): OS HETERÓNIMOS.


Afirma a crítica brasileira NELLY NOVAES COELHO (NNC), estudiosa da obra de FERNANDO PESSOA (FP):”Fernando Pessoa foi um ser-em-poesia”, isto é, alguém que criou e viveu “quase todas as possibilidades de Ser e Estar-no-mundo”, através dos diversos poemas e culturas que exprimiu. O seu temperamento levou-o a criar dramas, em actos e acção, com personalidades diferentes, que se revelam na heteronímia.”
A heteronímia é, em FP, um fenómeno que não se explica. Tentou, o poeta, na carta a Adolfo Casais Monteiro (ACM) dar uma explicação, digamos assim, do processo de personalidade OU não, que conduziu à existência de um CHEVALIER DE PAS, aos seis anos de idade, e ao aparecimento de tantas outras personagens-dentro-de- Pessoa, que são FP, como foram FP, Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos ou Bernardo Soares.
Já me referi a esse processo da génese dos heterónimos e à poesia ortónima, embora de modo sucinto, em artigos modestos, há pouco tempo. Sei que o que disse não é “nada” desse mundo conhecido/ desconhecido, sobre o poeta; os nossos amigos e leitores não gostam de textos longos…Hoje, tentarei ser o mais breve possível, no estudo das principais características desse mundo, que é a poesia heteronímica de FP.
Pessoa viveu a fase mais importante da sua vida literária depois de Cesário Verde (1855-1887) ”O poeta do olhar”; é de notar, no entanto, que Cesário o influenciou verdadeiramente, pelo menos na poesia de ALBERTO CAEIRO, o “GUARDADOR DE REBANHOS”, o poeta heterónimo na sua genuinidade telúrica, no seu gosto pelo deambular pela Natureza…
Não poucas vezes o referiu nos seus poemas, tanto nos heterónimos, como na obra ortónima.
E aqui lembro o poema em que escreve:”Ao entardecer, debruçado pela janela, / E sabendo de soslaio que há campos em frente, /Leio até me arderem os olhos/O livro de Cesário Verde. Pastor sem rebanho, que não o das suas palavras, somente, Caeiro deambula, errática e bucolicamente pelos campos, numa perfeita comunhão com a Natureza que o poeta realista-parnasianista tanto cantou. Depois de conhecer a sua poesia, Pessoa tratava-o por MESTREtal a sabedoria de vida que reconhecia haver em CV, que a tuberculose cedo ceifou das nossas LETRAS.
Caeiro distancia-se, no entanto, voluntariamente, de CV, pelo vocabulário simples, quase rudimentar (voluntariamente, também!) para nos dizer que não acredita senão nas sensações, no ver e ouvir, no não atribuir pensamento ao que escreve, pois que (poema I de O GUARDADOR DE REBANHOS) …Pensar incomoda como andar à chuva…pensar é estar doente dos olhos…pensar é não compreender…E assim, por aí adiante, numa recusa de pensar na origem das coisas, na Metafísica, no significado dos “porquês”…Portanto, diz : “Há metafísica bastante em não pensar em nada…O único sentido íntimo das coisas/ É elas não terem sentido nenhum”.
No poema VI, está latente, a sua filosofia de vida:”O meu olhar é nítido como um girassol. /
Tenho o costume de andar pelas estradas/ Olhando para a direita e para a esquerda, / E de vez em quando olhando para trás…”
Versilibrismo, (ausência de rima ou ritmo) muitos “e”, para dar a ideia de falta de cultura, paganismo ao deificar a Natureza, não impediram, que os outros heterónimos o considerassem O MESTRE, pela ciência simples de vida.
Nota-se na poesia de FP, que o poeta “passeia” em dois planos, perfeitamente perceptíveis, distintos: o interior, o do seu EU, e o plano das projecções ou exterior.
No plano íntimo, o poeta como que se decide a “peregrinar” por si próprio, em busca de uma espécie de “GRAAL” que é a sua alma multipartida (Não sei quantas almas tenho…/ (Poema NÃO SEI QUANTAS ALMAS TENHO) “Sentir? Sinta quem lê…/ (Poema ISTO ou “Minha alma procura-me/ Mas eu ando a monte…”( do poema SOU UM EVADIDO)
É como se fossem uma ou muitas MÁSCARAS de si próprio, nas PERSONAS que dentro, encontra.
E esta temática leva-nos, decididamente, às questões da eterna pergunta do homem: quem sou? Caso decidisse, neste momento, entrar por essa via, iria ter ao EXISTENCIALISMO, assunto que já tratei no nosso jornal.
Falar do plano projectivo não é difícil, se nos lembrarmos das impressões da vida exterior que condicionaram e influenciaram a vida dos modernistas e que eles pretenderam projectar nas sociedades, para verem, definitivamente banidas atitudes decadentistas e falsamente românticas. Foi a época do “ULTIMATO INGLÊS, DA Iª GRANDE GUERRA, DO ASSASSINATO DO REI D.CARLOS E da IMPLANTAÇÃO da REPÚBLICA, em 1910. As dores exteriores incidem, profundamente, no mundo interior!
Tanto é verdade, que o próprio FP, a respeito dos heterónimos, diz:” É sério, tudo o que escrevi, sob os nomes de CAEIRO, REIS E CAMPOS. EM todos pus um perfeito conceito de vida, diferente de um para os outros, mas em todos seriamente preocupados com o mistério da existência.”
Na realidade, um leigo na matéria pode ver três personalidades diferentes, três estilos poéticos diferentes, três “persona” com características próprias mesmo que divergentes,
mas que, pela temática, se apresentam seriamente angustiados com as questões da existência humana, o que transforma o POETA numa só entidade: FERNANDO PESSOA, ELE-MESMO!
Falemos um pouco de Ricardo Reis, o heterónimo clássico, o Dr.Ricardo Reis, que FP viu “ nascer”em1912, todo voltado para o Passado clássico e nebuloso poeta pagão, por conseguinte.Nos seus poemas tristes entram os deuses e outras figuras míticas, fala-se do Fado (Destino), da transitoriedade da vida, de como o tempo passa correndo como as águas de um rio, da mudança que se opera, consequentemente, no ser humano, sempre à mercê dos deuses… da MORTE, inevitavelmente. Por, isso, o poeta sente que deve viver todos os momentos da melhor maneira possível, sem compromissos, gozando o Momento e tentando superar a dor (estoicismo e epicurismo, Carpe diem e magna quies)já que os deuses é que comandam a vida humana com uma indiferença pasmosa! Acima deles, só o FADO, a que todos obedecemos e que comanda os nossos passos, até à morte!
Nos seus poemas, vemos expressões como estas:”Amemo-nos tranquilamente…Colhamos flores…pensemos que a vida passa…não fica nada, nada deixa e nunca regressa….”Só esta liberdade nos concedem os deuses: submetermo-nos ao seu domínio….No mesmo hausto em que vivemos, morremos….Colhe o dia, porque és ele….gozemos o momento…aguardando a morte, como quem a conhece…Nada fica de nada…nada somos….cadáveres adiados que procriam…este é o dia. Esta é a hora, este o momento, isto é quem somos e é tudo…Perene flui a interminável hora…Cada um cumpre o destino que lhe cumpre…ETC…
RR, um homem pouco feliz, um exilado, porque o seu Tempo é outro, é o da antiguidade clássica!

NOTA: impossível, tendo em conta o espaço deste artigo, concluir o estudo dos heterónimos e falar de Álvaro de Campos (AC) e de “MENSAGEM” (obra ortónima).
Falarei desta matéria, brevemente, pois em AC há três partes distintas. Depois, é preciso “unificar”, digamos assim, a poética pessoana.

Para já, termino com esta opinião do estudioso da obra de FP, ANGEL CRESPO:” Pessoa é um dos poetas mais enigmáticos de qualquer tempo e lugar! Os heterónimos conferem-lhe um prestígio oracular, de uma aura absolutamente fantástica…”

Mealhada, 22 de Novembro de 2011
Maria Elisa Rodrigues Ribeiro
maria.elisa.ribeiro@iol.pt
http://lusibero.blogspot.com
vv

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