sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

LITERATURA PORTUGUESA: ANTERO DE QUENTAL


: ANTERO DE QUENTAL

“ANTERO DE QUENTAL (A.Q) foi uma das almas mais atormentadas pela sede de INFINITO, pela fome de eternidade. Há sonetos seus que viverão enquanto viver a memória dos homens, porque serão traduzidos, mais tarde ou mais cedo, em todas as línguas dos homens atormentados pelo olhar da ESFINGE”-MIGUEL DE UNAMUNO.

Ao começar a estudar, ou mesmo só a ler, a poesia deste homem ímpar, na nossa história literária, vemos que a mesma é marcada por duas fundamentais características do seu carácter que, ao reflectirem-se na sua obra, nos mostram, pelo menos, dois lados distintos do poeta, ou, se quisermos, dois “Anteros”: um, o Antero APOLÍNEO, que exalta A LUZ, A RAZÃO e o AMOR; o outro, é um ANTERO NOCTURNO, marcado pelo Pessimismo, pelas Dúvidas existenciais, pelos cantos à NOITE, à MORTE, ao descanso FINAL.
O seu nome vem, muitas vezes, ligado ao aparecimento e implantação do REALISMO, em PORTUGAL. Na realidade, A.Q. foi um dos membros da difusão das ideias revolucionárias que a estética literária realista trazia consigo, tendo feito parte do grupo de estudantes de Coimbra, ao qual pertenciam EÇA DE QUEIRÓS, OLIVEIRA MARTINS E BATALHA REIS, conhecido como “A GERAÇAO DE 70”(1870), que tomou parte na célebre “QUESTÃO COIMBRÔ e nas “CONFERÊNCIAS DO CASINO”. Cada vulto da Literatura Portuguesa é ímpar nas suas características e AQ não foge à regra. Ele pensou PORTUGAL e o HOMEM, nos seus ensaios revolucionários e na sua POESIA, também ela, revolucionária!
Viveu tempos conturbados do Pensamento, integrado na vida buliçosa do meio coimbrão, dos anos de 1870. Nessa altura, a Universidade fervilhava de novas ideias e novos ideais, como consequência da Revolução Francesa, que espalhava por toda a EUROPA uma nova forma de vida, baseada nos princípios de LIBERDADE, IGUALDADE e FRATERNIDADE. Os jovens da Universidade de Coimbra, ajudados pela rapidez com que os comboios traziam até nós as obras que falavam das novas ideias, elegeram AQ como seu mentor.
Conhecido pela sua honestidade, pelos seus princípios perante a vida, acharam que seria o Homem ideal para lutar por uma nova sociedade, neste PORTUGAL adormecido. Estava a sociedade portuguesa, neste momento, pelas vozes de Eça de Queirós, principalmente, mas também de Oliveira Martins (OM) e de BATALHA REIS (BR), a tentar deixar a mentalidade romântica, para se lançar, em cheio, no REALISMO/NATURALISMO.
AQ ajudou os jovens revolucionários, participando nas “CONFERÊNCIAS DO CASINO” com uma palestra que, só vos digo!... fez cair “o CARMO E A TRINDADE”! Intitulava-se essa conferência ”CAUSAS DA DECADÊNCIA DOS POVOS PENINSULARES, NOS ÚLTIMOS 300 ANOS”.
Nesse documento, que provocou escândalo, AQ “batia” forte e feio, na MONARQUIA, NA IGREJA E NOS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES, que, segundo Antero nos deram riquezas fátuas, pois não nos ensinaram a trabalhar, mas sim a viver “dos rendimentos”… É claro que, nessa altura, a Monarquia pôs logo fim, à “orgia” revolucionária dos estudantes de Coimbra.
Em meu entender, a única coisa que mete medo aos grandes e poderosos é a força do Pensamento dos “pequenos, pois ainda não conseguiu “cortar” a sua raiz…embora, muitas vezes lhes tenha mandado cortar a própria cabeça….
Foi só este o contributo de AQ para a implantação do REALISMO, em PORTUGAL; este e as sessões literárias a que assistia e onde dava opiniões para um mundo melhor. Para além disso, ANTERO enveredou por uma linha romântica, da qual toda a sua poesia é um verdadeiro documento. Até a sua personalidade, com tendências depressivas, ajudou ao clima de tragédia que rodeou a sua vida. As muitas leituras de múltiplos e variados autores revolucionários ajudaram a contribuir para o seu desassossego de alma.
PROUDHON e as teorias de um socialismo, perfeitamente utópico! levaram-no a sofrer com as injustiças praticadas sobre os pobres, os desprotegidos e os infelizes, de um modo geral.
No capítulo poético, a vida de AQ dividiu-se em quatro partes principais: o tema da MULHER; o que reflecte o período revolucionário do tema do Socialismo utópico, onde AQ demonstra uma grande preocupação com as injustiças sociais; o tema do pessimismo e o tema do retorno à ideia de Deus.
Vejamos a sua atitude romântica, perante a MULHER, que, para ele é o anjo do ideal, sem mal nem impureza, atitude contrária à do romântico ALMEIDA GARRETT, na colectânea “FOLHAS CAÍDAS”…. O poema “IDEAL”: “AQUELA QUE EU ADORO, NÃO É FEITA/ DE LÍRIOS NEM DE ROSAS PURPURINAS, /NÃO TEM FORMAS LÂNGUIDAS (…) NÃO É A CIRCE (…) NEM A AMAZONA (…) É como uma miragem que entrevejo (…) NUVEM, SONHO IMPALPÁVEL DO DESEJO.”E a mesma visão se encontra no poema “BEATRICE”…
A busca do ideal, não a confinou A.Q. apenas à MULHER! O poeta lutou como um verdadeiro romântico, por um mundo marcado por ideais de justiça, de fraternidade, de humanismo. Apoiou-se, no entanto, ao contrário dos românticos que privilegiavam o SENTIMENTO, na RAZÃO, a quem chegou a chamar, numa belíssima Personificação, “irmã do amor e da justiça”.
E isto leva-nos à segunda fase da poesia anteriana, a do apostolado social, onde a sua elevação de carácter e o amor à revolução de ideias, costumes e sistemas, o levam a considerar que “A POESIA É AVOZ DA REVOLUÇÂO”, facto comprovado no soneto “A um poeta”, onde pede aos mesmos que não “adormeçam”, enquanto o povo sofre, e que transformem o mundo “num campo de batalha de novos ideais de vivência”: “Ergue-te, pois, soldado do Futuro/E dos raios de luz do sonho puro/Sonhador, faze espada de combate!”
Quanto ao tema do socialismo utópico: através de um certo paganismo, influenciado pelas leituras das obras de Hegel, Proudhon, Michelet, Marceau, Schopenhauer e outros, ele empreendeu uma luta tenaz pelo desenvolvimento, pela melhoria de vida dos operários e infelizes não bafejados pela sorte. Nesta fase poética. A, Q. divinizava a IDEIA, a RAZÃO e a JUSTIÇA.
A seguir, no seu percurso, parece antever “UM PALÁCIO DA VENTURA”, uma onda de esperança na FELICIDADE que se demonstra não ser verdade… “O cavaleiro andante” das causas perdidas cai, desta fase de PESSIMISMO, num período de desespero metafísico, em que retorna, APARENTEMENTE, às suas origens cristãs, mas que, apesar de poemas como “NA MÃO DE DEUS”, não é senão uma ilusão, pois o deus a que se reporta e na mão do qual quer descansar, é a MORTE, a NOITE ESCURA, a DESILUSÃO, que pedem descanso eterno! Oliveira Martins, um dos inúmeros estudiosos da sua obra, afirma:”ANTERO é um poeta que sente, mas é um raciocínio que pensa. Pensa o que sente; sente o que pensa”. Doente e cansado, com o encargo da adopção de dois filhos de um amigo falecido, na flor da vida, desanimado, sobretudo, por não ver o mundo a rejuvenescer, caiu num estado de PESSIMISMO, que marca a sua terceira fase literária, num poema “O palácio da ventura”, onde mostra ser como um cavaleiro andante, nos mistérios do universo, em busca da felicidade que parece estar ali, ali mesmo! mas que redunda em pura ilusão!:”MAS JÁ DESMAIO (…) dentro encontro só, cheio de dor, /Silêncio e escuridão nada mais!”
Quanto a mim, depois de ter lido e intuído a poesia de Antero, cheguei à conclusão de que a busca de uma relativa felicidade faz parte de um caminho longo e sempre inacabado, porque cheio de “pedras”, de desilusões insuperáveis, de decepções tremendas, restando-nos a Esperança de podermos viver um pouco melhor, num FUTURO que não sabemos se teremos ou quando acabará.
Falta referir-me à última fase dos sonetos de Antero, do Pensamento marcado por um tal desânimo que, aliado ao isolamento, ajudou a que, em 11 de Setembro de 1891, num banco de jardim, nos Açores, sua terra natal, ele desse um tiro na cabeça. Nesta última fase, parecia que o poeta tinha reencontrado a fé da sua infância, ao deixar-nos poemas como “NA MÃO DE DEUS”, “À VIRGEM SANTÍSSIMA”, “A UM CRUCIFIXO” ou “SOLEMNIA VERBA”… Pura ilusão! Este deus de que Antero falava era, nem mais nem menos que a MORTE, A NOITE ETERNA, o DESCANSO FINAL a que ele chama, no soneto “NOX”, ”NOITE DO NÃO-ser….

NOTA: texto longo, que é, apenas, uma ajuda para quem tem que conhecer ANTERO de QUENTAL, mais profundamente. O texto não dispensa aulas de PORTUGUÊS por parte de alunos, e é somente uma súmula da história literária deste grande poeta, destinada a um público menos especializado na matéria.

BIBLIOGRAFIA
“História da literatura Portuguesa” de António José Saraiva e Óscar Lopes, 1979, 11ªedição, PORTO EDITORA;
“Dimensão Literária”de Vasco Moreira e Hilário Pimenta, PORTO EDITORA;
“História da Literatura Portuguesa-XVII/XX, de António José Barreiros, 5ªedição, EDITORA PAX.

Maria Elisa Rodrigues Ribeiro

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