quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Antero de Quental....como eu o vejo


“ANTERO DE QUENTAL (A.Q) foi uma das almas mais atormentadas pela sede de INFINITO, pela fome de eternidade. Há sonetos seus que viverão enquanto viver a memória dos homens, porque serão traduzidos, mais tarde ou mais cedo, em todas as línguas dos homens atormentados pelo olhar da ESFINGE”-MIGUEL DE UNAMUNO.

Ao começar a estudar, ou mesmo só a ler, a poesia deste homem ímpar, na nossa história literária, vemos que a mesma é marcada por duas fundamentais características do seu carácter que, ao reflectirem-se na sua obra, nos mostram, pelo menos, dois lados distintos do poeta, ou, se quisermos, dois “Anteros”: um, o Antero APOLÍNEO, que exalta A LUZ, A RAZÃO e o AMOR; o outro, é um ANTERO NOCTURNO, marcado pelo Pessimismo, pelas Dúvidas existenciais, pelos cantos à NOITE, à MORTE, ao descanso FINAL.
O seu nome vem, muitas vezes, ligado ao aparecimento e implantação do REALISMO, em PORTUGAL. Na realidade, A.Q. foi um dos membros da difusão das ideias revolucionárias que a estética literária realista trazia consigo, tendo feito parte do grupo de estudantes de Coimbra, ao qual pertenciam EÇA DE QUEIRÓS, OLIVEIRA MARTINS E BATALHA REIS, conhecido como “A GERAÇAO DE 70”(1870), que tomou parte na célebre “QUESTÃO COIMBRÔ e nas “CONFERÊNCIAS DO CASINO”. Cada vulto da Literatura Portuguesa é ímpar nas suas características e AQ não foge à regra. Ele pensou PORTUGAL e o HOMEM, nos seus ensaios revolucionários e na sua POESIA, também ela, revolucionária!
Viveu tempos conturbados do Pensamento, integrado na vida buliçosa do meio coimbrão, dos anos de 1870. Nessa altura, a Universidade fervilhava de novas ideias e novos ideais, como consequência da Revolução Francesa, que espalhava por toda a EUROPA uma nova forma de vida, baseada nos princípios de LIBERDADE, IGUALDADE e FRATERNIDADE. Os jovens da Universidade de Coimbra, ajudados pela rapidez com que os comboios traziam até nós as obras que falavam das novas ideias, elegeram AQ como seu mentor.
Conhecido pela sua honestidade, pelos seus princípios perante a vida, acharam que seria o Homem ideal para lutar por uma nova sociedade, neste PORTUGAL adormecido. Estava a sociedade portuguesa, neste momento, pelas vozes de Eça de Queirós, principalmente, mas também de Oliveira Martins (OM) e de BATALHA REIS (BR), a tentar deixar a mentalidade romântica, para se lançar, em cheio, no REALISMO/NATURALISMO.
AQ ajudou os jovens revolucionários, participando nas “CONFERÊNCIAS DO CASINO” com uma palestra que, só vos digo!... fez cair “o CARMO E A TRINDADE”! Intitulava-se essa conferência ”CAUSAS DA DECADÊNCIA DOS POVOS PENINSULARES, NOS ÚLTIMOS 300 ANOS”.
Nesse documento, que provocou escândalo, AQ “batia” forte e feio, na MONARQUIA, NA IGREJA E NOS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES, que, segundo Antero nos deram riquezas fátuas, pois não nos ensinaram a trabalhar, mas sim a viver “dos rendimentos”… É claro que, nessa altura, a Monarquia pôs logo fim, à “orgia” revolucionária dos estudantes de Coimbra.
Em meu entender, a única coisa que mete medo aos grandes e poderosos é a força do Pensamento dos “pequenos, pois ainda não conseguiu “cortar” a sua raiz…embora, muitas vezes lhes tenha mandado cortar a própria cabeça….
Foi só este o contributo de AQ para a implantação do REALISMO, em PORTUGAL; este e as sessões literárias a que assistia e onde dava opiniões para um mundo melhor. Para além disso, ANTERO enveredou por uma linha romântica, da qual toda a sua poesia é um verdadeiro documento. Até a sua personalidade, com tendências depressivas, ajudou ao clima de tragédia que rodeou a sua vida. As muitas leituras de múltiplos e variados autores revolucionários ajudaram a contribuir para o seu desassossego de alma.
PROUDHON e as teorias de um socialismo, perfeitamente utópico! levaram-no a sofrer com as injustiças praticadas sobre os pobres, os desprotegidos e os infelizes, de um modo geral.
No capítulo poético, a vida de AQ dividiu-se em quatro partes principais: o tema da MULHER; o que reflecte o período revolucionário do tema do Socialismo utópico, onde AQ demonstra uma grande preocupação com as injustiças sociais; o tema do pessimismo e o tema do retorno à ideia de Deus.
Vejamos a sua atitude romântica, perante a MULHER, que, para ele é o anjo do ideal, sem mal nem impureza, atitude contrária à do romântico ALMEIDA GARRETT, na colectânea “FOLHAS CAÍDAS”…. O poema “IDEAL”: “AQUELA QUE EU ADORO, NÃO É FEITA/ DE LÍRIOS NEM DE ROSAS PURPURINAS, /NÃO TEM FORMAS LÂNGUIDAS (…) NÃO É A CIRCE (…) NEM A AMAZONA (…) É como uma miragem que entrevejo (…) NUVEM, SONHO IMPALPÁVEL DO DESEJO.”E a mesma visão se encontra no poema “BEATRICE”…
A busca do ideal, não a confinou A.Q. apenas à MULHER! O poeta lutou como um verdadeiro romântico, por um mundo marcado por ideais de justiça, de fraternidade, de humanismo. Apoiou-se, no entanto, ao contrário dos românticos que privilegiavam o SENTIMENTO, na RAZÃO, a quem chegou a chamar, numa belíssima Personificação, “irmã do amor e da justiça”.
E isto leva-nos à segunda fase da poesia anteriana, a do apostolado social, onde a sua elevação de carácter e o amor à revolução de ideias, costumes e sistemas, o levam a considerar que “A POESIA É AVOZ DA REVOLUÇÂO”, facto comprovado no soneto “A um poeta”, onde pede aos mesmos que não “adormeçam”, enquanto o povo sofre, e que transformem o mundo “num campo de batalha de novos ideais de vivência”: “Ergue-te, pois, soldado do Futuro/E dos raios de luz do sonho puro/Sonhador, faze espada de combate!”
Quanto ao tema do socialismo utópico: através de um certo paganismo, influenciado pelas leituras das obras de Hegel, Proudhon, Michelet, Marceau, Schopenhauer e outros, ele empreendeu uma luta tenaz pelo desenvolvimento, pela melhoria de vida dos operários e infelizes não bafejados pela sorte. Nesta fase poética. A, Q. divinizava a IDEIA, a RAZÃO e a JUSTIÇA.
A seguir, no seu percurso, parece antever “UM PALÁCIO DA VENTURA”, uma onda de esperança na FELICIDADE que se demonstra não ser verdade… “O cavaleiro andante” das causas perdidas cai, desta fase de PESSIMISMO, num período de desespero metafísico, em que retorna, APARENTEMENTE, às suas origens cristãs, mas que, apesar de poemas como “NA MÃO DE DEUS”, não é senão uma ilusão, pois o deus a que se reporta e na mão do qual quer descansar, é a MORTE, a NOITE ESCURA, a DESILUSÃO, que pedem descanso eterno! Oliveira Martins, um dos inúmeros estudiosos da sua obra, afirma:”ANTERO é um poeta que sente, mas é um raciocínio que pensa. Pensa o que sente; sente o que pensa”. Doente e cansado, com o encargo da adopção de dois filhos de um amigo falecido, na flor da vida, desanimado, sobretudo, por não ver o mundo a rejuvenescer, caiu num estado de PESSIMISMO, que marca a sua terceira fase literária, num poema “O palácio da ventura”, onde mostra ser como um cavaleiro andante, nos mistérios do universo, em busca da felicidade que parece estar ali, ali mesmo! mas que redunda em pura ilusão!:”MAS JÁ DESMAIO (…) dentro encontro só, cheio de dor, /Silêncio e escuridão nada mais!”
Quanto a mim, depois de ter lido e intuído a poesia de Antero, cheguei à conclusão de que a busca de uma relativa felicidade faz parte de um caminho longo e sempre inacabado, porque cheio de “pedras”, de desilusões insuperáveis, de decepções tremendas, restando-nos a Esperança de podermos viver um pouco melhor, num FUTURO que não sabemos se teremos ou quando acabará.
Falta referir-me à última fase dos sonetos de Antero, do Pensamento marcado por um tal desânimo que, aliado ao isolamento, ajudou a que, em 11 de Setembro de 1891, num banco de jardim, nos Açores, sua terra natal, ele desse um tiro na cabeça. Nesta última fase, parecia que o poeta tinha reencontrado a fé da sua infância, ao deixar-nos poemas como “NA MÃO DE DEUS”, “À VIRGEM SANTÍSSIMA”, “A UM CRUCIFIXO” ou “SOLEMNIA VERBA”… Pura ilusão! Este deus de que Antero falava era, nem mais nem menos que a MORTE, A NOITE ETERNA, o DESCANSO FINAL a que ele chama, no soneto “NOX”, ”NOITE DO NÃO-ser….

NOTA: texto longo, que é, apenas, uma ajuda para quem tem que conhecer ANTERO de QUENTAL, mais profundamente. O texto não dispensa aulas de PORTUGUÊS por parte de alunos, e é somente uma súmula da história literária deste grande poeta, destinada a um público menos especializado na matéria.

BIBLIOGRAFIA
“História da literatura Portuguesa” de António José Saraiva e Óscar Lopes, 1979, 11ªedição, PORTO EDITORA;
“Dimensão Literária”de Vasco Moreira e Hilário Pimenta, PORTO EDITORA;
“História da Literatura Portuguesa-XVII/XX, de António José Barreiros, 5ªedição, EDITORA PAX.

22 comentários:

  1. Bom dia, minha linda Amiga!
    Espero que esteja melhor.
    Maria Elisa, todas as grandes almas têm sede de INFINITO, basta olhar para este teu espaço que te revela e ver em ti esta busca.
    Saudades.
    Beijinhos em teu coração

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  2. É verdade , MALU... Não podemos estar satisfeitos com sonhos da carochinha! O mundo quer mais de nós!
    BEIJITO , MINHA AMIGA!

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  3. FELIZ POR TERES GOSTADO! Eu vibro com os nossos autores e, de vez em quando, revejo-me ,como PROFESSORA DE PORTUGUÊS , nestas matérias- fantásticas!- que são os nossos escritores e poetas.
    Abraço
    lusibero

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  4. Maria,
    Na última Bienal do Livro, aqui no Rio, comprei um livro de A.de Quental "Poesia de todos os tempos - Antologia", reeditado por ocasião do centenário de seu nascimento, em 1991.
    Retirei dele o soneto abaixo, exemplo de "o outro" Antero, de que fala no seu texto.
    Bejos.

    Sonho
    Sonhei - nem sempre o sonho é coisa vã -
    Que um vento me levava arrebatado,
    Através desse espaço constelado
    Onde uma aurora eterna ri louçã...

    As estrelas, que guardam a manhã,
    Ao verem-me passar triste e calado,
    Olhavam-me e diziam com cuidado:
    Onde está, pobre amigo, a nossa irmã?

    Mas eu baixava os olhos, receoso
    Que traíssem as grandes mágoas minhas,
    E passava furtivo e silencioso,

    Nem ousava contar-lhes, às estrelas,
    Contar às tuas puras irmãzinhas
    Quanto és falsa, meu bem, e indigna delas!

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  5. Mª LÚCIA:lindo testemunho, da vida de A.Q. É um soneto ,plenamente romântico, penso que da colectânea "Primaveras Ro mânticas". OBRIGADA PELO TEU CONTRIBUTO, minha amiga!
    BEIJOS DE LUSIBERO

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  6. Maria,
    Não sei muito sobre Antero de Quental a não ser que ele foi um dos espiritos mais castos e
    um dos pensadores mais profundos em versos.
    E tenho a sorte de conhecer alguns sonetos dele, entre eles " A um poeta" que é maravilhoso.
    Foi bom ler o seu maravilhoso texto.
    bjs

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  7. Uma autêntica aula de literatura portuguesa.
    Até eu, que tenho uma licenciatura da área, aprendi mais alguma coisa sobre Antero de Quental.
    Espero que as melhoras sejam reais.
    Beijinho
    Compadre Alentejano

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  8. Texto magnifico sobre a grande figura de Antero
    Quental, tudo isto significa que ,felizmente, já estás óptima ou a caminho de total recuperação, o que me deixa feliz.
    Beijos
    Graça

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  9. DORONI:eu sou da opinião que, se estivermos de espírito aberto, neste mundo da blogosfera, aprendemos todos ,uns com os outros. cada um de nós dá um pouco de si... Esse lindo soneto "A um poeta" escreveu-o ANTERO , nu sua fase de "revolução " de ideias, quando viu que os poetas SÓ tinham uma arma para lutar pelos pobres e pelas classes desfavorecidas: a sua pena, a caneta, como SINÉDOQUE das suas obras literárias!E então, diz:"Ergue-te pois, soldado do Futuro,/E dos raios de luz do sonho puro,/Sonhador, faze ESPADA DE COMBATE!"
    BEIJITO DE LUSIBERO

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  10. CIRRUS: ESTÁ, DESDE JÁ; aceite o convite!Ou melhor dizendo, o desafio. VOU DAR A RESPOSTA , no teu blog.
    BEIJO AMIGO DE LUSIBERO

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  11. GRAÇA PEREIRA: O TEXTO JÁ ESTAVA ESCRITO...SÓ FIZ MODIFICAÇÔES, com ajuda da TERRA DE ENCANTO, MINHA FILHA, PORQUE , EMBORA ESTEJA MUITO MELHOR, O OLHO DIREITO CHORA DE CANSAÇO...MAS COM A AJUDA DE TODOS OS QUE me amam lá vamos indo... Quanta matéria tenho deixadode tratar por não ver bem , nem mesmo com os óculos...
    Fico contente por teres gostado do texto. Eu tenho consciência de que estes textos talvez sejam grandes demais para quem não seja desta área, mas não se pode dizer muito menos, sobre um poeta e pensador, como este...
    BEIJINHOS DE LUSIBERO

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  12. "Compadre alentejano". FICO FELIZ POR TER PODIDO ABRIR "OUTRAS PORTAS", mesmo a um caríssimo colega, sobre este autor. Obrigada, pela honestidade! Podemos todos aprender, uns com a sabedoria dos outros, se formos suficientemente humildes para não nos julgarmos "os maiores", "os melhores"ou os detentores das verdades... EU DOU-vos o que melhor tenho: o meu amor pela LITERATURA, sempre pronta a aprender com todos os amigos.
    BEIJITOS DE LUSIBERO

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  13. Qu delicia ter vivido em uma cidade tão linda. Um dia visitarei e deixarei uma postagem beeem linda pra voce matar a saudade rs

    Puxa... nunca aprendi tanto sobre Antero de Quental, obrigada pela partinha.

    Bjs e uma ótima semana

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  14. GISA: É uma cidade muito linda ,mas também cansativa...Altíssimo nível de vida, faz uma sá inveja...
    Ainda bem que gostaste do texto sobre o Antero...
    BEIJINHOS DE LUSIBERO

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  15. Em continuação ao comentário que fiz anteriormente, penso que no poema a Maria Santíssima (cópia em meu blog, de 18 de abril), ele se vê na dor de Maria e parece procurar um apoio à sua tristeza.

    Curiosidade – No Leblon, bairro da zona sul do Rio, existe uma praça com o seu nome.
    Beijinhos.

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  16. Que bom tudo quanto informas ,MªLúcia: no fim da vida, cansado de ter depositado tamtas esperanças num mundo melhor , Antero refugia-se na "ideia" de DEUS e no amor pela VIRGEM...A Virgam, só pode ser "AQUELA" mas o "DEUS" de que ele fala é mais a "noite do eterno descanso...", a noite ...






    BEIJINHOS DE SINCERO "OBRIGADA" da MªELISA

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  17. Olá Amiga Lusibero,
    Grande esforço para os olhos deu este trabalho, mas quanta generosidade a sua, revelando para quem não conhece ou conhece mal, essa grande e multifacetada figura que foi Antero de Quental, é por personalidades como ele, que me orgulho de ser portuguesa. Presentemente a cultura é muito mal tratada, mas a cultura é para mim o mais importante que pode ter um país e que o torna ímpar, tudo o resto pode perecer, a cultura fica e é ela que nos ilumina.
    No meu curso de História também estudei toda essa problemática a que se refere, concluindo-se com o que foi chamado os «VENCIDOS DA VIDA»
    Beijinhos querida Lusibero e rápidas melhoras,
    Manuela

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  18. MANUELA FREITAS: posso tratar-te por "tu", cara colega?Eu "sentia" que os teus comentários eram de uma pessoa "próxima"...
    Sempre adorei as Literaturas, os poetas, os ficcionistas , os ensaístas, etc.
    O trabalho sobre o Antero foi moroso e difícil de passar ,mas a minha filha, a Susana do blog "terra de encanto", que é Psicóloga da APPACDM, em Coimbra, depois de chegar a casa, e depois de tratar da minha netita, foi-me ajudando, escrevendo um pouco do texto para eu poder public´-lo, quando me via e vê! os olhos a chorar de cansaço! é que ainda só fiz sete sessões de fisioterapia e vou ter que fazer , pelo menos"vinte!
    Se fores para baixo. no meu blog, tenho lá VERGÍLIO FERREIRA, EUGÉNIO DE ANDRADE, MIGUEL TORGA, FLORBELA, SOPHIA, etc... Só que, como ainda não era conhecida, muitos dessesvalores ficaram mais para trás... Creio que é uma pena, dado o agrado que este ANTERO provocou nos meus mais recentes conhecids e seguidores e talvez comece a "puxá-los para cima, um de vez em quando...
    Beijos manela da Mª elisa(LUSIBERO)

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