segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Dia internacional da Língua Materna: as três primeiras estrofes de "Os Lusíadas"

Proposição
As armas
1
e os barões assinalados2
Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Taprobana3
,
E em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino4
, que tanto sublimaram5
;
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas6
De África e de Ásia andaram devastando7
,
E aqueles que por obras valerosas8
Se vão da lei da Morte9
libertando:
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho10 e arte.
Cessem11 do sábio Grego12 e do Troiano13
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandre14 e de Trajano15
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno16 e Marte17 obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga18 canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.
A
1. feitos de armas; 2. homens ilustres; 3.
ilha de Ceilão; 4. o Império português do
Oriente; 5. engrandeceram; 6. não
cristãs; 7. percorrendo, descobrindo; 8.
valorosas; 9. esquecimento; 10.
criatividade; 11. deixe de se falar; 12.
Ulisses; 13. Eneias; 14. Alexandre Magno,
conquistador de um império imenso que
abarcava Grécia, Ásia Menor, Pérsia,
Egipto e parte da Índia; 15. imperador
Romano que realizou grandes conquistas
na Ásia; 16. deus do Mar; 17. deus da
Guerra; 18. poesia da antiguidade grecoromana.
Luís de Camões, Os Lusíadas
Nota: A Proposição situa-se no Canto I de "Os Lusíadas", estrofes I, II, III.
É a parte onde Camões nos diz o que se propõe "cantar"; cantará os feitos ilustres lusitanos, os reis e as guerras em que estiveram envolvidos para engrandecer Portugal, as terras e as gentes que demos a conhecer ao mundo e, sobretudo, "cantarei o peito ilustre lusitano, a quem Neptuno e Marte obedeceram."
Já Garcia de Resende, no "Prólogo ao Cancioneiro Geral de Garcia de Resende", se referia aos feitos dos portugueses lamentando sermos preguiçosos para escrever sobre a nossa grandiosidade; e dizia que, se não fôssemos assim e nos soubéssemos dar valor, não haveria nada que se equiparasse aos nossos feitos.
Maria Elisa

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