sábado, 19 de novembro de 2016

Opinião de Pacheco Pereira, in www.público.pt


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OPINIÃO
Somos aquilo que juntamos


JOSÉ PACHECO PEREIRA

19/11/2016 - 07:25


Vejo com ironia também em vários jornais a obsessão de “conquistar” os jovens com artigos escritos por jornalistas quarentões convencidos que têm 15 anos.




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TÓPICOS

Media
liberdade de imprensa


Parece que há “boas notícias” e que o Diabo adiou a visita a Portugal pelo menos por uns meses. Podemos, pois, ir para outros territórios respirar um pouco.

Visitei recentemente, em Nova Iorque, o Interference Archive, um pequeno arquivo, vivendo do trabalho voluntário, trabalhando para a comunidade em Brooklyn e com uma interessante série de publicações. É um arquivo “radical” muito voltado para recolher documentação dos movimentos sociais e para o activismo comunitário, tendo em anexo um programa de rádio e podcasts. Muitos aspectos deste arquivo são próximos do trabalho que fazemos no Ephemera e por isso me interessaram em particular.

Um dos cartazes do arquivo tem a seguinte frase: “We are what we archive”, somos aquilo que arquivamos. Excelente, é isso mesmo. Somos aquilo (e aqueles) que “juntamos”, e como por aqui tendemos a ser omnívoros e a ter como palavra de ordem “não deite nada fora” do que serve para a nossa memória colectiva, temos uma ambição holística, ou seja, uma forma de loucura mansa. Seja.

Vamos a um caso pessoal e concreto, que penso ter algum interesse para a actual discussão sobre os jornais em papel e online. O que é que eu “arquivo” na comunicação social portuguesa corrente, para alimentar a secção de periódicos e, mais significativamente, a de recortes?

Os recortes estão muito subestimados por estes dias, mas para quem investiga, ou simplesmente está a escrever sobre alguma coisa, os recortes são preciosos. Sim, nem tudo está no Google, e, sim, nem tudo na Internet faz o papel da surpresa de “descobrir” algo que nos é muito útil. O papel ainda aí continua a ter várias vantagens. O folhear em procuras imprecisas é uma tecnologia superior no papel, e o modo de olhar o que está em papel e para o que está no ecrã não tem o mesmo tempo e modo, nem os mesmos resultados.

É verdade que posso entrar na categoria escassa de “grande leitor” da imprensa, e isso não abunda, nem é regra. Mas há quem o seja, e a quantidade, como pregava o materialismo dialéctico, transforma-se muitas vezes em qualidade. Leio todos os dias o PÚBLICO, Diário de Notícias, i, Correio da Manhã, Jornal de Notícias e Jornal de Negócios, em papel, e várias vezes por semana o Observador online. Na verdade, para ser mais exacto, leio o PÚBLICO online de um modo geral antes de o ler em papel, e a leitura em papel dos outros jornais é desfasada no tempo, visto que, não vivendo em Lisboa parte da semana, só os recebo dias depois da sua saída. Mas, mesmo o PÚBLICO online, leio-o na versão “impressa”, ou seja, um fac-símile da versão em papel. Não leio as duas da mesma maneira, mesmo sendo iguais; há artigos que leio só em papel e o tempo que demoro é diferente, mais longo em papel. Leio igualmente O Diabo, a Sábado, a Visão, o Time Out, o Sol e o Expresso. O único jornal partidário que leio sistematicamente é o Avante!, que também, nos dias de hoje, é o único que há.

Parece muita coisa para leitura semanal, mas como há um número considerável de notícias que são iguais em vários jornais, a parte útil concentra-se em reportagens próprias, em entrevistas e na opinião, consideravelmente menos do que o conjunto de títulos pode indicar. Demoro, aliás, cada vez menos tempo a ler jornais, mesmo com esta abundância, porque cada vez menos o que lá vem me interessa, mas esta questão de conteúdo fica para outra altura.

De todos estes jornais “arquivo” integralmente o PÚBLICO e o i, e as revistas e jornais semanais, e nos outros marco os artigos que quero guardar com uma palavra-chave, pode ser o autor ou o assunto, para arquivar nos “recortes”. Há um padrão nesses recortes: no Diário de Notícias, alguns artigos de opinião e algumas páginas especiais no início do jornal e o antigo suplemento cultural agora integrado no corpo de jornal, o que claramente o minimiza; no Jornal de Notícias muito pouca coisa; no Correio da Manhã as páginas dos suplementos de domingo com testemunhos sobre a guerra colonial (há anos que os guardo), e os artigos de Eduardo Cintra Torres sobre televisão (a que se somam os seus artigos no Jornal de Negócios sobre publicidade); no Jornal de Negócios algumas páginas especiais na primeira parte do jornal, embora tenha guardado toda a série sobre os mais “influentes”, uma iniciativa interessante, mesmo que controversa, e ocasionalmente um artigo de opinião. Na opinião do Diário de Notícias e do Jornal de Negócios guardo os artigos com que mais discordo, ou os que mais me irritam, com intenção futura, raras vezes realizada, de escrever sobre eles. Embora leia sempre o Ferreira Fernandes, não sei bem porquê nunca os recortei, a não ser quando têm uma componente memorialística. O Diabo é uma janela sobre uma direita muito especial, a dos “nacionalistas revolucionários” mais jovens e a dos nostálgicos do salazarismo, pelo que tem interesse próprio. No Avante!, que aliás também guardo integralmente, leio e digitalizo os artigos sobre a história do PCP e da oposição e as necrologias “oficiais”, muitas vezes ocultando, numa frase anódina, uma vida importante na luta contra a ditadura.

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