sábado, 19 de novembro de 2016


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OPINIÃO
O futuro (do) Supremo Tribunal dos EUA


FRANCISCO TEIXEIRA DA MOTA

18/11/2016 - 06:15


O Supremo Tribunal tem um importante papel na definição dos direitos dos norte-americanos.




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Supremo Tribunal dos EUA


O gigantesco sismo, de magnitude ainda não apurada, que se abateu há pouco mais de uma semana sobre os Estados Unidos da América com epicentro em Washington, vai, seguramente, ter numerosas réplicas e, segundo alguns cientistas, é muito provável a ocorrência de um tsunami.

O enorme abalo que se sentiu em todo o continente americano e que se vai repercutir nas fundações de numerosos edifícios deixa antever um período muito complicado e difícil para todo o planeta. Um dos edifícios mais majestosos da capital norte-americana é o Supremo Tribunal federal e, dentro do mesmo, as réplicas do sismo podem prolongar-se por muitos anos, décadas até.

Composto por nove juízes, nomeados vitaliciamente pelo Presidente dos EUA mas sujeitos a confirmação pelo Senado, o Supremo Tribunal (ST) tem amplos poderes de interpretação constitucional, tendo desempenhado ao longo da história um importantíssimo papel na definição dos direitos dos norte-americanos. Desde os direitos de defesa criminal à liberdade de expressão, passando pelo direito à interrupção voluntária de gravidez, à privacidade ou à não discriminação racial, o Supremo Tribunal, sem prejuízo de decisões lamentáveis, tem constituído um importante factor na evolução da sociedade norte-americana.

Até ao início do corrente ano, o ST tinha quatro juízes marcadamente conservadores, quatro juízes liberais e um juiz que, de alguma forma, era o fiel da balança, ora acompanhando os conservadores, ora os liberais, assim inflectindo as decisões do ST, numa linguagem europeia, para a direita ou para a esquerda. Com a morte de um dos juízes conservadores no início do ano, Obama procurou seduzir a maioria republicana no Senado e nomeou um juiz moderado, mas, até esta data, o processo está parado, já que os senadores republicanos optaram por reservar a nomeação para o novo Presidente.

E o Presidente eleito já foi claro numa entrevista à CBS: não pretende pôr em causa o casamento homossexual, que considera uma questão já resolvida, mas o juiz que vai nomear será pro-life, isto é, contrário ao direito à interrupção voluntária de gravidez reconhecido na famosa decisão do ST Roe versusWade de 1973 e pro-gun rights, isto é, na prática, contrário a qualquer regulamentação do direito a ser possuidor de armas e a andar armado.
Esta nomeação — seguramente de um juiz ultraconservador — irá repor o anterior equilíbrio, em princípio na próxima Primavera, uma vez que o processo de nomeação passa por longas e exaustivas sessões no Senado, em que o nomeado tem de responder a inúmeras perguntas sobre as suas opções jurídico-políticas, nomeadamente sobre anteriores decisões judiciais da sua autoria.

A propósito, diga-se que a sessão de aprovação dos nossos juízes constitucionais na Assembleia da República, no passado Verão, foi lamentável, não pela falta de qualidade dos mesmos, mas do processo em si: nada foi discutido das qualidades e defeitos de cada um, das suas anteriores decisões ou entendimentos judiciais e jurídicos e a votação foi feita em bloco! Ou seja, ou eram todos merecedores da nomeação para o Tribunal Constitucional, ou não era nenhum...

Mas, voltando aos EUA, os efeitos do sismo não se limitam à próxima nomeação de um juiz conservador: a idade média de reforma (voluntária) para os juízes do ST são os 79 anos e dois dos juízes liberais têm 83 e 78 anos. O juiz fiel da balança, pelo seu lado, tem 80 anos. O que quer dizer que o novo Presidente tem sérias possibilidades de, durante os seus quatro anos de mandato — ou oito, se for reeleito, o que é habitual —, nomear mais três juízes conservadores, criando uma sólida maioria conservadora no ST que poderá durar décadas, já que dos restantes juízes nenhum tem mais de 68 anos. Teme-se, pois, que se esteja a formar, a partir do terramoto do passado dia 8, um verdadeiro tsunami constitucional que poderá vir a submergir muitos aspectos dos direitos sociais nos EUA.

Mas, verdade seja dita, que o Presidente eleito, pelo seu passado, pelas suas características pessoais e pelo que se vai sabendo neste fase de transição, tem, na minha opinião, sérias possibilidades de não terminar o mandato, o que seria um novo terramoto...

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