"As minhas palavras têm memórias ____________das palavras com que me penso, e é sempre tenso _________o momento do mistério inquietante de me escrever"
segunda-feira, 1 de agosto de 2016
In www.publico.pt UKRAINE seeks for a new PAST, in order to change PRESENT
REPORTAGEM
A Ucrânia procura um novo passado para mudar o presente
JOÃO RUELA RIBEIRO (em Kiev)
31/07/2016 - 10:07
Nos últimos dois anos, caíram as estátuas de Lenine, mudaram-se nomes de ruas e de cidades e a guerra no Leste já criou os seus mitos e heróis.
Manifestantes na Praça da Independência, em 2014 REUTERS/VALENTYN OGIRENKO
20
TÓPICOS
Europa
Ucrânia
Rússia
II Guerra Mundial
A sala do Museu Nacional de História da Ucrânia dedicada à II Guerra Mundial não é muito grande. Mas o espaço é suficiente para encapsular as tensões e a complexidade que envolvem o passado do país. De um lado vêem-se cartazes comemorativos das vitórias do Exército Vermelho soviético sobre a Alemanha nazi e da “libertação” da Europa; do outro, há imagens dos abusos cometidos pelos militares soviéticos sobre as populações pelas quais passaram durante aquela “libertação” aplaudida a menos de três metros na mesma sala; a meio, há um expositor com uma bandeira ucraniana manchada de sangue, usada por grupos nacionalistas durante o conflito, alguns dos quais lutaram ao lado dos nazis. Olena, a nossa guia, desculpa-se: “Estamos a pensar remodelar a forma como a exposição está organizada. Ainda tem muita influência soviética.”
Não é fácil falar do passado na Ucrânia — está demasiado presente. Há ruas e cidades com novos nomes, memoriais em cada esquina, livros proibidos, arquivos abertos, manuais escolares reescritos e novas comemorações públicas.
Desde a independência obtida em 1991 que a Ucrânia travou uma luta contra o próprio passado. Na ausência de clivagens ideológicas semelhantes às da Europa Ocidental, a grande causa mobilizadora do eleitorado “foi sempre a luta pelo passado”, diz o professor de Ciência Política da Academia Mohyla de Kiev, Johann Zajaczkowski. A identificação histórica dos ucranianos parece ter andado nas últimas duas décadas num ziguezague constante, sempre ao sabor de quem estava no poder. “Houve presidentes que tentaram trazer uma narrativa pró-ocidental para a opinião pública; houve outros, como [Viktor] Ianukovich, que tinham uma ideia de uma Ucrânia soviética”, diz o especialista.
Ao seu lado está a colega Daryia Orlova, professora da Jornalismo na mesma universidade, que identifica num sector da população uma “nostalgia” pela União Soviética, “não tanto em termos ideológicos, mas culturais”. De acordo com uma sondagem recente do instituto pró-europeu Democratic Initiatives Foundation, na região do Donbass (leste), 70% da população avalia de forma negativa o colapso da União Soviética, bem acima da média nacional de 32%.
A guerra no Leste, que em Kiev é descrita como uma “agressão russa”, veio mudar tudo. “Dantes, muita gente não questionava sequer a sua identidade nacional. Mas, depois da guerra, passou a ser preciso fazer isso”, observa Daryia Orlova. O sentimento patriótico parece ter invadido Kiev. Há bandeiras um pouco por toda a parte, e se antes tanto o ucraniano como o russo podiam ser ouvidos, hoje fala-se de um “orgulho” em falar a língua do país. Mas nota-se, acima de tudo, uma mitificação dos acontecimentos dos últimos dois anos.
O presente já é História
A Praça da Independência — principal palco dos protestos, conhecidos como EuroMaidan, que levaram à queda do Presidente Viktor Ianukovich — é onde conflui esta nova narrativa. Na rua Institutska há flores e fotografias dos activistas mortos durante as manifestações e que são hoje conhecidos como os “Cem Celestiais”. Perto da catedral de São Miguel, um muro está coberto com as fotografias dos soldados e voluntários que caíram no Leste. Um pouco mais adiante, numa parede de um edifício, o artista plástico português Vhils esculpiu a face de um dos primeiros manifestantes mortos pelas forças de segurança.
Em várias cidades e aldeias, “as escolas têm placas com os nomes dos antigos alunos que morreram na guerra no Leste” e há ruas a adoptarem os nomes dos soldados mortos, conta Orlova. A piloto Nadyia Savchenko é já considerada uma das novas “heroínas” nacionais, depois da sua captura pela Rússia.
A cerca de 40 minutos da capital está, porém, um dos mais curiosos novos locais de “peregrinação” desta Ucrânia pós-EuroMaidan. Trata-se da antiga mansão de Ianukovich, que foi tomada por manifestantes logo após a sua fuga, em Fevereiro de 2014. Desde então, passou a ser conhecida como “Museu da Corrupção” e são organizadas diariamente excursões gratuitas a partir da Praça da Independência. A propriedade recebe hoje piqueniques familiares ou serve de cenário para produções fotográficas de casamentos.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário