sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Artigo de Alfredo Barroso, in www.publico.pt




OPINIÃO
A fixação obsessiva de Passos Coelho


ALFREDO BARROSO

26/08/2016 - 05:14


O que mais impressiona na teimosia obtusa de PPC é a semelhança inquietante das ideias que insiste em defender com os ditames de Milton Friedman e dos seus Chicago Boys.




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Chile
Pedro Passos Coelho
América Latina
Maria Luís Albuquerque
Augusto Pinochet
Fundo Monetário Internacional


O que mais avulta num político de recursos tão limitados como Pedro Passos Coelho (PPC) é a sua fixação febril, obsessiva e obtusa na «teoria» do empobrecimento deliberado do país e do povo, para servir de alavanca a um enriquecimento futuro de tal modo incerto que nem ele próprio se atreve a prognosticar. Quanto à sua ex-professora e ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, cujas limitações também são óbvias, tornou-se a sua mais repetitiva discípula política e não passa de um epifenómeno, ou seja, de um sintoma que sobreveio numa «doença» já declarada (por PPC). Constituem ambos uma parceria política de meter medo ao susto.

Mas o que mais impressiona na teimosia obtusa de PPC é a semelhança inquietante das ideias que insiste em defender com os ditames de Milton Friedman e dos seus Chicago Boys, quando estes fizeram do Chile de Pinochet o primeiro grande «laboratório» de aplicação prática das suas teorias neoliberais, de acordo com a «santíssima trindade» — privatização, desregulamentação e redução das despesas sociais — formulada na obra matricial Capitalismo e Liberdade (!?). Como escreveu Naomi Klein, no seu livro The Schock Doctrine, The Rise of Disaster Capitalism, foi o Chile que marcou a génese da contra-revolução ultraliberal, nascida no terror, que pretendia ser «uma verdadeira revolução, um movimento radical rumo à liberalização total dos mercados», como escreveu o Chicago Boy José Piñera, ministro do Trabalho e das Minas de Pinochet.

O resultado do «tratamento de choque» que o próprio Milton Friedman foi ao Chile aconselhar a Pinochet — uma «orgia automutiladora» de reformas, como salientou a insuspeita revista The Economist — traduziu-se num brutal empobrecimento (noção que viria a ser tão cara ao «nosso» PPC) com o objectivo de empurrar o Chile até à «liberalização completa dos mercados», provocando um enorme aumento do desemprego (que os Chicago Boysconsideravam ser «provisório») e desmantelando o Estado-Providência, no intuito de estimular o nascimento de uma «utopia capitalista pura». O ano crucial foi 1975, quando a inflação já atingira os 375% (mais do dobro do que durante o governo de Allende) e o balanço é simplesmente aterrador.

As despesas do Estado foram reduzidas, de uma só vez, em 27%. A Saúde e a Educação foram os sectores mais duramente atingidos (uma das medidas mais emblemáticas foi o corte do abastecimento de leite às escolas). A rede de escolas públicas foi substituída por escolas privadas à la carte, às quais se tinha acesso com «cheques de ensino». Os serviços de saúde foram submetidos ao princípio do «utilizador pagador», os jardins de infância e os cemitérios foram vendidos ao sector privado. Mas a medida mais radical foi a privatização da Segurança Social. Mais de 500 bancos e empresas públicas foram igualmente privatizados, ao «preço da chuva». As empresas locais foram destroçadas e, entre 1973 e 1983, o sector industrial perdeu 177.000 postos de trabalho. Cerca de metade da população chilena foi, pura e simplesmente, excluída da economia. A corrupção, o compadrio e a fraude escaparam a qualquer controlo. As pequenas e médias empresas públicas foram dizimadas. A riqueza passou do sector público para o sector privado enquanto os passivos passaram do sector privado para o sector público. Aconselhado por Milton Friedman e pela sua ignominiosa e corrupta quadrilha de Chicago Boys, o general Augusto Pinochet mergulhou deliberadamente o Chile numa profunda recessão.

Claro que os únicos beneficiários das reformas ultraliberais executadas no Chile pelos Chicago Boys locais — designadamente pelo seu chefe de fila, o ministro das Finanças Sérgio de Castro (antigo aluno de Milton Friedman em Chicago) — foram as grandes empresas estrangeiras e um pequeno grupo de financeiros oportunistas, a que os chilenos chamavam «piranhas», que nunca se cansaram de ganhar, à custa da especulação desenfreada, milhões e milhões, partilhando-os com os Chicago Boys estrangeiros e locais. O resultado das reformas ultraliberais só podia ser, como de facto foi, o de aspirar a riqueza de baixo para cima e, à custa dos sucessivos choques, empurrar a classe média de cima para baixo, para o desemprego e a despromoção social.
        

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