EDITORIAL
O Pedro e o lobo
por ANDRÉ MACEDOHoje
Há um pecado original na venda do Novo Banco. O regulador não podia fazer de vendedor. O árbitro não marca golos, falta-lhe instinto e experiência, além de misturar incentivos contrários: vende pelo melhor preço ou vai escolher quem lhe dará mais segurança no futuro? Confrontado com a obrigação de fiscalizar aquele que é hoje parceiro de negócio, como irá o Banco de Portugal gerir essa relação incestuosa sem levantar a dúvida legítima: estará a ser mais benevolente do que com os outros bancos - alisando-lhe o terreno nos primeiros tempos - ou estará a ser mais duro para evitar que surjam dúvidas sobre a sua independência? A separação de poderes serve também para isto, para evitar estes conflitos e garantir que o interesse público é salvaguardado. O governo, no entanto, decidiu gerir este processo a partir do banco de trás. Em vez de deixar que o governador Carlos Costa se limitasse a dar o seu valioso parecer sobre a venda, como fazem os reguladores em todo o mundo, optou por atirar-lhe para cima o poder de decisão numa área que lhe é organicamente estranha - e assim deveria continuar. Que não haja dúvidas: o Novo Banco está a ser reprivatizado. Não é uma reprivatização clássica, na medida em que os donos do Novo Banco são todas as instituições financeiras a operar no país - mas no fundo é disso que se trata, já que a gestão do dossiê é feita a partir de uma instituição pública, o BdP, sem que os donos possam interferir. Houve, portanto, uma nacionalização encapotada para proteger os contribuintes, mas também para blindar o governo que assim não se expõe. É fácil governar assim, lavando as mãos, mas não é para isso que serve um primeiro-ministro. Ontem, o negócio com a Anbang deu o estoiro. Seguem-se os contactos com a Fosun, depois talvez com a Apollo. Parece uma missão espacial, não falta sequer a contagem decrescente. Passos Coelho não está aos comandos, delegou em Carlos Costa, uma espécie de lobo de Wall Street com a cauda a arder: tem de vender o Novo Banco em 15 dias para que o défice público não chegue aos 7% do PIB. Será possível fazer um bom negócio assim?
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