sábado, 27 de dezembro de 2014

DO REINO UNIDO...


O ano em que Reino Unido pode começar a soltar amarras da UE


ANA FONSECA PEREIRA

26/12/2014 - 08:37


David Cameron fez pontaria à imigração e irritou parceiros europeus, sem conseguir estancar fuga de votos para o UKIP. Muito do que vier a acontecer na relação de Londres com Bruxelas será decidido pelas próximas legislativas, de desfecho incerto, e pelo discurso dos partidos até lá.“Cameron é um líder fraco, cativo dos eurocépticos do seu próprio partido” BEN STANSALL/AFP




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Pode estar o Reino Unido prestes a atingir – como terá sugerido a chanceler alemã, Angela Merkel – um “ponto de não retorno” nas suas relações com a União Europeia? A crer no ano que passou, nunca a tão falada Brexit pareceu uma hipótese tão realista, empurrada para o topo da actualidade por um tema que ainda há poucos anos teria envergonhado a cool Britannia e que está hoje na boca de todos os políticos: imigração. O anunciado referendo à permanência na UE está prometido para 2017, mas serão sobretudo as legislativas de Maio a ditar o caminho que Londres vai seguir e, para adensar a angústia europeia, o desfecho não poderia ser mais incerto.

Há vários meses que a política britânica se faz num ritmo acelerado de pré-campanha, instigado por sondagens que indicam que nem os conservadores nem os trabalhistas deverão conseguir maioria para governar sozinhos, e pela cavalgada eleitoral do Partido da Independência (UKIP) – nenhuma outra palavra sintetiza tão bem a ascensão de uma formação que, quatro anos depois de ter conseguido 3% dos votos nas legislativas, venceu as europeias e conseguiu impor a sua agenda – antieuropeia e anti-imigração – no debate político.

E se dúvidas houvesse de que as relações com a UE vão dominar a refrega dos próximos meses, o primeiro-ministro, David Cameron, tratou de as desfazer no discurso que proferiu no final de Novembro. Nele deixou claro que se os conservadores vencerem as legislativas vão bater-se em Bruxelas por reformas que permitam ao Reino Unido travar a imigração oriunda de outros países da UE, criando discriminações no acesso aos apoios sociais. No dia anterior, o gabinete de estatísticas britânico revelou que o saldo migratório (diferença entre entradas e saídas) no país atingiu as 260 mil pessoas, um valor acima do verificado quando Cameron chegou ao poder, com as entradas de cidadãos europeus a representarem a maior subida.

Sob pressão para responder à inquietação dos eleitores (as sondagens indicam que a imigração é a principal preocupação dos britânicos, mesmo que admitam que não é aquilo que mais afecta as suas famílias), Cameron deu um passo que lhe estreita a margem de manobra caso seja reeleito: “Se as nossas preocupações caírem em saco roto e não conseguirmos melhorar a nossa relação com a UE, então não excluo nenhuma possibilidade”, afirmou, ficando a milímetros de anunciar que se baterá pelo “não” no prometido referendo se os parceiros europeus recusarem acomodar as reformas pedidas por Londres.

“Cameron é um líder fraco, cativo dos eurocépticos do seu próprio partido”, escreveu Philip Stephens, comentador político e director adjunto do Financial Times, afirmando que o “pânico o levou a uma corrida desenfreada com o UKIP sobre a UE e a imigração” quando o seu plano inicial era transformar as legislativas “num concurso com o Labour sobre competência económica” – uma competição em que os tories levam vantagem, apoiados pelo crescimento da economia e pela descrença dos eleitores nos planos trabalhistas.

O discurso acalmou a ala eurocéptica dos conservadores, que há meses pedia a Cameron uma tomada de posição que mostrasse aos eleitores que o partido está apostado em recuperar o controlo das fronteiras (um velho lema do UKIP). E na Europa, apenas a Polónia se insurgiu publicamente contra as propostas de Cameron para bloquear o acesso dos cidadãos europeus aos apoios sociais durante os primeiros quatro anos de estadia no Reino Unido ou extraditar os que não conseguirem emprego ao fim de seis meses, avisando Londres que se estava a aproximar de uma “linha vermelha”.

Os trabalhos de Cameron
Mas os trabalhos que o primeiro-ministro enfrenta, caso seja reeleito, são muito maiores do que dão a entender as críticas brandas que ouviu dos trabalhistas ou dos liberais-democratas – ambos com planos para restringir o acesso dos imigrantes europeus aos apoios sociais, ainda que por períodos mais curtos –, ou do que sugerem a disponibilidade manifestada por Berlim e a Comissão Europeia para ouvir “tranquilamente” as propostas britânicas.

Fosse para pressionar os parceiros, fosse para salvaguardar a necessidade de um eventual ajustamento na promessa feita aos eleitores, Cameron admitiu que só será possível criar mecanismos para limitar a imigração intracomunitária se os tratados europeus forem revistos. Camino Mortera-Martinez, especialista em imigração do Centro para Reforma Europeia (CER), concorda com o primeiro-ministro britânico, concluindo que a generalidade dos entraves propostos por Londres vai contra os princípios da livre circulação e da igualdade de tratamento dos cidadãos europeus tal como estão definidos nos tratados e nas directivas em vigor.

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