quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Sobre a Poetisa Natália Correia, in www.publico.pt-----------In Pesquisa Net




Uma colecção de afectos


KATHLEEN GOMES

08/04/1999 - 00:00







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As portas do Palácio Galveias abrem-se amanhã para mostrar, pela primeira vez, cerca de três centenas de obras de arte que até há pouco tempo dominavam um quinto andar junto à Avenida da Liberdade, em Lisboa, enclave de escritores, artistas e personagens da cultura portuguesa deste século. São pinturas, desenhos, serigrafias, esculturas que pertenceram a Natália Correia e ao seu companheiro dos últimos tempos, Dórdio Guimarães, e que poderão ser vistas até 16 de Maio, antes de partirem para Ponta Delgada e para a Faculdade de Belas Artes do Porto.

Menos de um mês passado sobre a abertura da exposição de manuscritos e inéditos de Natália Correia na Biblioteca Nacional, em Lisboa, não muito longe dali, no Palácio Galveias, os quadros que em tempos cobriram as paredes da casa da escritora são expostos a partir de amanhã numa mostra intitulada "Natália - Arte e Poesia". São cerca de 300 obras de arte, entre pinturas, desenhos e esculturas, pertencentes ao espólio de Natália Correia e do seu marido, o escritor Dórdio Guimarães, assinadas por alguns dos nomes importantes da arte portuguesa deste século, entre os quais Abel Manta, Almada Negreiros, Artur Bual, Cramez, Cruzeiro Seixas, Dórdio Gomes, Mário Cesariny, Francisco Relógio, Hansi Stael, Isabel Meireles, Júlio Pomar, Resende e Júlio de Sousa, Lima de Freitas, Manuel de Lima, Martins Correia, Carlos Rocha Pinto, Vieira da Silva e Manuel Guimarães. Para além destes, a exposição, organizada pela Câmara Municipal de Lisboa e pelo Governo Regional dos Açores, integra ainda cerca de dez pinturas de autoria da poetisa, na sua maioria retratos, que, pela primeira vez, são divulgados publicamente. "A maior parte das pessoas não fazem a menor ideia que a Natália Correia tinha esta faceta", explica a deputada Helena Roseta, amiga e principal testamenteira do casal. Conhecê-la-ão como poetisa, embora a sua estreia nas lides literárias, em 1945, tenha ficado assinalada por um romance infantil, intitulado "Aventuras de Um Pequeno Herói"; como jornalista no Rádio Clube Português e no jornal "O Sol", passando a directora da "Vida Mundial" e do "Século Hoje" depois da revolução de Abril de 1975; como uma das mulheres mais belas da Lisboa dos anos 50, somando quatro casamentos, o último dos quais aos 67 anos, com Dórdio Guimarães; como figura de proa na série televisiva "Mátria", realizada por Dórdio Guimarães; como deputada filiada no PSD de Sá Carneiro, ingressando depois no PRD de Ramalho Eanes; como animadora imprescindível das tertúlias que, a partir de 1972, tiveram lugar no célebre Botequim, no Largo da Graça, ponto de confluência de personalidades que marcaram a vida cultural portuguesa da segunda metade do século, logo a seguir à sua casa, na Rua Rodrigues Sampaio. É aqui que junta os retratos que lhe vão pintando os que por lá passam, de António Duarte a Artur Bual, de Júlio de Sousa a um inesperado Marcel Marceau, dos cartoons do já desaparecido Sam às esculturas de Isabel Meireles e Martins Correia. "Como era extraordinariamente bonita, tem muitos retratos, não é costume haver tantos", diz Helena Roseta. A eles juntam-se pequenas raridades como uma pintura sobre madeira do escritor José Rodrigues Miguéis, datada de 1972, litografias de Salvador Dali, uma gravura de De Clerse, de 1600, uma das primeiras obras de Nikias Skapinakis. "A sua colecção era de afectos, de memórias e o espelho de uma vida imensamente vivida", resume Manuel de Brito no catálogo da exposição. Não se procure, no entanto, "um nexo, uma ordem electiva, uma direcção estética que norteie a razão de ser destas quasi três centenas de obras", escreve o pintor Fernando de Azevedo, comissário da exposição a par do fotógrafo José Luís Madeira. "As muitas e inesperadas direcções, as variantes de qualidade e mesmo de gosto, a presença de nomes e de 'não nomes' relativamente aos autores, a surpresa em muitos deles dos seus altos e baixos, são circunstâncias que constrangem um tanto uma definição de coleccionador no uso perfeito do termo e da função", conclui.Avaliado em cerca de 80 mil contos, o espólio artístico do casal será repartido pelos respectivos legatários, de acordo com as disposições testamentárias de Dórdio Guimarães, nomeadamente o Governo Regional dos Açores, a quem caberá grande parte dos objectos de arte (que deverão constituir um primeiro núcleo do futuro Centro de Arte Moderna de Ponta Delgada) e a Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, que conservará as peças assinadas pelo pai de Dórdio Guimarães, o cineasta e pintor Manuel Guimarães, numa espécie de regresso às origens, já que este se formou naquela instituição superior, ao tempo de Júlio Resende e Dórdio Gomes. A exposição, que se faz acompanhar também de fotografias do casal e da casa que durante anos reuniu as obras, prolonga-se até ao dia 16 de Maio, seguindo depois para o Porto e Coimbra, antes do espólio ser devidamente conduzido para as instituições legatárias.NATÁLIA - ARTE E POESIALISBOA Palácio Galveias (ao Campo Pequeno). De 3ª a 6ª, das 10h às 18h30, sáb. e dom., das 14h às 18h30. Até 16 de Maio.

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