quinta-feira, 21 de agosto de 2014






20 de Agosto de 2014, 10:14
Por
Francisco Louçã


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Meus filhos, democratizar é que nunca


É com amargura que assisto a esta desgraça familiar que tem enlutado Portugal. Nas vivendas de Cascais e do Estoril vai um silêncio de chumbo, cortinados caídos. O jardineiro tem instruções rígidas, ninguém sai à rua, não vá um jornalista atrevidote fazer perguntas. O constrangimento é tamanho que os bailes de setembro estão comprometidos e os jovens fazem a pergunta tremenda: que país, que choldra é esta em que não se sabe onde debutar? Ou, ainda pior, quem vai ocupar os camarotes do Estoril Open, onde tantos políticos se acotovelavam para serem nossos convidados?

As revistas do coração, que adoravam quando brincávamos aos pobrezinhos na Herdade da Comporta, agora fazem manchetes sobre indemnizações por obras paradas e contratos arruinados. Cartas de conforto para dívidas de centenas de milhões são inspeccionadas como se a generosidade não fosse ouro na nossa Linha. O Luxemburgo, amizade velha de décadas, apunhalou a lealdade que nos unia e é ver uns fiscais de tribunal, mediocremente fardados num qualquer pronto-a-vestir, a invadir os nossos gabinetes na Place du Théatre.

Ao carpir esta desgraça, sobe-me um arroubo de dignidade. Afinal, são 140 anos. Somos uma dinastia por três séculos. Aprendemos, como os nossos ancestrais, para renascermos mais fortes. Se todos os regimes se nos vergaram, se nenhuma crise financeira nos beliscou, se nos erguemos à altura dos Rockefeller e dos Rotschild, não vai ser um juiz, uns pasquins e uns políticos avulsos que nos deitarão abaixo. Nem muito menos um cálculo de merceeiro sobre dívidas, apresentado por aquele que lá colocámos e que está a morder a mão que o levantou.

Ignorantes, não sabem que somos feitos da massa de Arquimedes: dão-nos um ponto de apoio e mostramos ao mundo o que é a alavancagem. Fizemos dívida a partir de nada, movemos biliões onde não havia cheta, investimos o que não existia, somos os arquitectos celestiais, haja respeito.

Mas aprendemos. Aprendemos a lição mais dolorosa. É aprendendo que a dinastia prossegue de pais para filhos, transmitindo a lição, a moral, a virtude. Ouçam bem: nunca nos podemos deixar ver ao lado de um Zé das Medalhas. Foi o nosso erro e não o podemos repetir. Podemos usar a gestão de fortunas da Akoya, o nome é digno, os directores vêm da banca suíça que é mais confiável do que a guarda do Vaticano, eles sabem os caminhos do Panamá e das Cayman até Vanuatu, toda a gente de bem faz pela vida. Agora usar o balcão de um Zé das Medalhas, isso só discretamente, ficar registado nessa contabilidade nem pensar. É asneira, atrai atenção, o nome é tão Massamá.

Foi o que os meus pais e avós me ensinaram, o segredo é a alma do negócio, mal de nós quando é descoberto.

Aprendam, meus filhos, só se deixem ver com pessoas da nossa igualha. Nunca, mas mesmo nunca democratizem, depois dá nesta desgraça.

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