Eduardo Lourenço sobre Óscar Lopes -in NET
Crónica de Maldizer – Na morte de Óscar Lopes
Óscar Lopes morreu há 10 dias, aos 95 anos. Homens como ele não deviam morrer. E, se tivessem que morrer, que fosse aos 950 anos.
por Eurico Heitor Consciência
a 4 de Abril de 2013
Eduardo Lourenço chamava-lhe mestre. Um dos meus condiscípulos do liceu chama mestre ao Eduardo Lourenço. Grande mestre consta que foi Afonso Domingues, o da Batalha, que numa das lendas ou narrativas do Heródoto português (boa! ataque já a wikipédia, que pode ser que esclareça quem foi o Heródoto português – porque a wikizinha não é tão má como muitos pensam: tem coisas acertadas), pois, numa dessas lendas ou narrativas, o Domingues passou a noite sob a cúpula do mosteiro, para provar urbi et orbi que acreditava nas suas capacidades pessoais; grande mestre foi também o meu avô paterno: talento testemunhado ad aeternum pela cabeça de dragão de granito que orna e distingue a escadaria de pedra do solar oitocentista em que está instalada a Câmara Municipal de Mêda (com chapelinho no e para travar provocações ou apetites escatológicos).
Pois o meu condiscípulo Miguel chama meu mestre ao Eduardo Lourenço e o Eduardo Lourenço chamava mestre ao Óscar Lopes. Ao Senhor Professor Doutor Óscar Lopes – que haveria de sorrir com ar quase tímido quando o tratassem por Senhor Professor Doutor. Mas foi mesmo um doutor, um grande, enorme professor. O maior. O mais notável dos professores que eu tive, num liceu onde, por espantoso que hoje pareça, eram devotados e competentes quase todos os professores. E não davam nem duas faltas por ano!
Óscar Lopes sabia tudo e tinha respostas para tudo. Mas começava e acabava as respostas num tom modesto, modestíssimo, com ar de querer pedir desculpas por saber tanto.
Era professor de Latim e Literatura no Curso Complementar dos Liceus (6º e 7º ano – a que corresponderão hoje o 10º e o 11º). Aprendemos o latim básico e muito de literatura e de história da literatura (servindo de “sebenta” as primeiras provas tipográficas da História da Literatura Portuguesa que foi publicada no ano seguinte), mas, deu-nos sobretudo horizontes de cidadania que ninguém nos despertara ainda.
Nas férias grandes desse ano foi preso pela Pide. Um ou dois anos depois foi julgado e reposto nas suas funções de professor do Liceu Rodrigues de Freitas (chamado D. Manuel II naquele tempo). Mas não lhe permitiram que desse aulas, como dantes, aos rapazes e às raparigas do 6º e do 7º ano, que tinham de 16 a 18 anos. Passou a ensinar Português às crianças do 1º ano… Os políticos são quase todos desonestos, mas parvos não são.
Fez-lhe justiça o 25 de Abril: atribuiu-lhe cátedra na Universidade do Porto – que já deveria estar honrada e enriquecida por ele há muitos anos.
Óscar Lopes morreu há 10 dias, aos 95 anos.
Homens como ele não deviam morrer. E, se tivessem que morrer, que fosse aos 950 anos."
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