Fernando Pessoa: 5 frases universais no livro Mensagem
O livro Mensagem é o único volume de poemas, escritos na língua portuguesa, que Fernando Pessoa publicou durante a sua vida, em 1934. A sua edição está ligada ao Prémio Antero de Quental, com que este livro foi galardoado naquele ano. Trata-se de um livro muito conhecido em Portugal, muito menos fora deste país, apesar de ser uma das obras mais importantes de Pessoa. Tal assimetria é devida, provavelmente, ao facto de Mensagem ser um livro que fala, aparentemente, só dos portugueses (e aos portugueses). Com efeito, o livro compõe-se de 44 poemas, cada um deles dedicado a uma grande figura da história, da cultura e dos mitos de Portugal. Sabe-se, a este respeito, que o título que Pessoa queria dar ao livro era «Portugal», tendo, sucessivamente, mudado a sua decisão.
Neste artigo, pretendemos mostrar, por outra maneira, que este livro contém versos, frases e mensagens universais, dirigidas a todos. Contém, pois, passagens de alta literatura, capazes, a nosso ver, de tocar a alma, o coração e a mente de toda a humanidade, de todos os lugares e tempos. Terá sido esta, segundo achamos, a verdadeira e mais alta intenção de Fernando Pessoa ao escrever estes poemas, como aliás sugere o próprio título Mensagem, que esconde em si as partes iniciais do verso latino «Mens agitat molem» («O espírito move a matéria»), contido na Eneida de Virgílio. Propomos, então, a leitura de cinco versos universais de Pessoa, em Mensagem, com uma nossa leitura, pessoal e não vinculante.
Boa leitura!
1. «O mito é o nada que é tudo.»
O verso que abre o poema dedicado a «Ulisses» é um dos mais conhecidos do livro. Ao relembrar o herói grego como lendário fundador da cidade de Lisboa (outrora Olisipo, como o nome que Pessoa deu a uma editora que fundou), o escritor está a afirmar o vínculo entre Portugal e a cultura grega antiga, o mediterrâneo e o paganismo. Para além disso, o verso tem, em si, uma força literária e filosófica sua própria. Se o mito for entendido como o sagrado, ou a palavra sagrada, então a interpretação dele seria que o sagrado, mesmo sendo invisível e inefável (nada, mas só aos nossos olhos limitados), é o que tudo penetra. A esta leitura metafísica, acrescentamos outra, entre as possíveis: se o mito é a literatura enquanto ficção («O poeta é um fingidor», escreveu Pessoa), então, diríamos que, segundo Pessoa, mesmo sendo «nada» – isto é, não sendo real – é a ficção literária, é a arte que produz o avanço da civilização.
2. «Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.»
Trata-se de uma afirmação que já entrou no frasário coletivo português, designando ao mesmo tempo uma inteira visão da vida, e da arte, que Pessoa sintetiza em poucas, incisivas palavras. O verso é o primeiro do poema «O Infante», que celebra o Infante D. Henrique (1394-1460) como o primeiro homem que unificou a Terra pelas viagens marítimas das Descobertas. Um sonho, o de unificar o globo, do qual nasce a concreta realização, só podendo, contudo, existir, se for o próprio Deus, pela sua vontade, a decretá-lo. Nesta perspetiva, foquemos a atenção no tema do sonho – que em Pessoa por vezes é conceito próximo de arte, literatura, imaginação -, porque parece que aqui Pessoa esteja a dizer que aquilo que Deus quer que os humanos façam, só o podem estes fazer se forem capazes de sonhar. O sonho do ser humano como passagem intermédia da realização da obra de Deus no mundo. Eis a vertente mística de Mensagem.
3. «A alma é divina e a obra é imperfeita.»
Um pouco em continuidade com o verso anterior, este, que se encontra no poema «Padrão» dedicado ao navegador português Diogo Cão, reflete outra constatação de Pessoa sobre o ser humano. Este terá uma alma divina, isto é, uma essência, uma natureza, celeste, luminosa, perfeita. Contudo, a sua obra no mundo é fatalmente imperfeita, incompleta, incumprida, mesmo quando se cumpre aos olhos dos próprios humanos. Porquê? Talvez porque nada de terrestre se possa comparar com aquela perfeição celeste, da qual Pessoa, muitas vezes, parece ter – platonicamente – saudade.
4. «Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena.»
Eis uma das frases mais citadas e mais famosas de Fernando Pessoa, não só de Mensagem. Encontramo-la em dois versos do célebre poema «Mar Português», representando a certeza de que qualquer empresa é merecedora de esforço e sacrifício, desde que a própria enraíze e se nutra de uma nobreza adamantina, que é própria das almas grandes. Almas que pautam para encontrar e desenvolver em si (e através de si) o melhor da humanidade e da vida, ambicionando grandes horizontes, não só fora de si, mas também – e sobretudo – dentro. De alguma maneira, estes versos, como outros aqui citados, dizem muito de Fernando Pessoa enquanto indivíduo que devotou a vida inteira à literatura, sacrificando-se a si próprio de alguma maneira, porque entrevia a grandeza da sua missão, do seu destino e do impacto que ia ter na cultura universal. Ele foi, de facto, mais um navegador português e universal. Não dos oceanos, antes da(s) alma(s).
5. «É a hora!»
Ao fechar o poema «Nevoeiro», esta exclamação sela um dos poemas mais intimamente ligados às narrativas míticas e lendárias de Portugal, nomeadamente à imagem do esperado regresso do rei D. Sebastião, desaparecido em 1578 e que a lenda quer que venha um dia a regressar “numa manhã de nevoeiro”. Como referimos noutro artigo deste blogue, o regresso deste rei torna-se, em Fernando Pessoa, numa metáfora do início de uma nova e futura era cultural da humanidade. Uma era de síntese entre culturas e de triunfo universal da arte, da cultura e da poesia. Há ainda quem, como o filósofo Paulo Borges, tenha interpretado esta nova era como sendo uma nova fase espiritual da humanidade, de maior, mais ampla e mais profunda consciência. Seja como for, o verso «É a hora!», se for lido num sentido universal e não apenas ligado à história de Portugal, é um apelo que Pessoa lança ao leitor, para imediatamente este realizar o melhor de si, no aqui e agora da vida, seja qual for a sua condição e situação.
Fabrizio Boscaglia
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