"As minhas palavras têm memórias ____________das palavras com que me penso, e é sempre tenso _________o momento do mistério inquietante de me escrever"
quarta-feira, 25 de janeiro de 2017
Porque...ler faz bem...Cap.vii de "Viagens na minha terra", de Almeida Garrett
Cap. VII:
«O café é uma das feições mais características de uma terra. O viajante experimentado e fino chega a qualquer parte, entra no café, observa-o, examina-o, estuda-o, e tem conhecido o país em que está, o seu governo, as suas leis, os seus costumes, a sua religião.
Levem-me de olhos tapados onde quiserem, não me desvendem senão no café; e protesto-lhes que em menos de dez minutos lhes digo a terra em que estou, se for país sublunar.
Nós entrámos no café do Cartaxo, o grande café do Cartaxo; e nunca se encruzou turco em divã de seda do mais esplêndido café de Constantinopla com tanto gosto de alma e satisfação de corpo, como nós nos sentámos nas duras e ásperas tábuas das esguias banquetas mal sarapintadas que ornam o magnífico estabelecimento bordalengo.
Em poucas linhas se descreve a sua simplicidade clássica: será um paralelogramo pouco maior que a minha alcova; à esquerda, duas mesas de pinho; à direita, o mostrador envidraçado, onde capeiam as garrafas obrigadas de licor de amêndoa, de canela, de cravo. Pendem do tecto, laboriosamente arrendados por não vulgar tesoura, os pingentes de papel, convidando a lascivo repouso a inquieta raça das moscas. Reina uma frescura admirável naquele recinto.
Sentámo-nos, respirámos largo, e entrámos em conversa com o dono da casa, homem de trinta a quarenta anos, de fisionomia esperta e simpática, e sem nada do repugnante vilão ruim que é tão usual de encontrar por semelhantes lugares da nossa terra.
— Então que novidades há por cá pelo Cartaxo, patrão?
— Novidades! Por aqui não temos senão o que vem de Lisboa. Aí está a Revolução de ontem...
— Jornais, meu caro amigo! Vimos fartos disso. Diga-nos alguma coisa da terra. Que faz por cá o...
— O mestre J. P., o alfageme?
— Como assim o alfageme?
— Chamam-lhe o alfageme ao mestre J. P.; pois então! Uns senhores de Lisboa que aí estiveram em casa do Sr. D. puseram-lhe esse nome, que a gente bem sabe o que é; e ficou-lhe, que agora já ninguém lhe chama senão o alfageme. Mas, quanto a mim, ou ele não é alfageme, ou não o há-de ser muito tempo. Não é aquele, não. Eu bem me entendo.”
(Excerto do Cap. VII das VIAGENS NA MINHA TERRA)
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