Tirar um curso
31/10/2016 por António Fernando Nabais 1 Comentário
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Portugal ainda é, em grande parte, Coimbra e o resto é paisagem. Bastava uma pessoa envergar uma capa e uma batina para passar a ser doutor. Uma pessoa podia andar matriculada anos a não estudar e isso seria suficiente para se ser doutor. Ainda assim, nesses tempos, a expressão “tirar um curso” significava ‘concluir uma licenciatura’.
A licenciatura é, ainda hoje, meio caminho para um orgasmo. Há pessoas que perdem força nas pernas e reviram os olhos, sempre que ouvem o nome antecedido de um “doutor”. Não me espantaria que existisse uma tara sexual qualquer que consistisse em alcançar o clímax por ouvir menções a títulos académicos. Aposto, até, que, nos prostíbulos, haverá quem o exija, do mesmo modo que há quem goste de ser insultado ou agredido fisicamente (conta-se mesmo que, no auge, mais de um cliente terá gritado eferreá em vez de chamar por algum ser superior).
E é natural que uma pessoa, de tanto pagar para ouvir, até possa convencer-se de que entrou numa casa para obter favores, sexuais ou outros, e tenha saído de lá licenciado. Ora, se há casas que são conhecidas pelo pagamento de favores, sexuais e outros, são as sedes e as delegações dos partidos políticos.
Ser político é, aliás, a capa e batina de hoje: entra-se na política e, por defeito, passa-se a ser doutor. Além disso, o esforço que um jotinha faz para entrar numa universidade (acto diferente de entrar para a universidade) já é tão grande que merece, no mínimo, uma equivalência. A universidade, com todos os seus defeitos, é um local em que existem livros e pessoas a investigar e a pensar, actividades que esgotam um jotinha só de imaginar.
Mesmo assim, tendo em conta o prestígio e o gozo, há jotinhas que tentam obter diplomas universitários, havendo notícias de um que chegou a ir a uma aula. Os mais inteligentes, no entanto, passam por umas universidades privadas, dirigem-se ao balcão e tiram de lá um curso.
Antigamente, um curso superior era pior que uma lapa: uma pessoa saía da universidade e ficava licenciada para sempre. Hoje, há gente tão distraída que até perde licenciaturas e mestrados. Talvez isto se deva à fraca qualidade da roupa: um homem vai pela rua, com a licenciatura no bolso e aquilo cai no chão. Quando volta atrás, que ainda agora tinha aqui um curso, já não o encontra, porque as pessoas não são sérias e ficam com o que até era dos outros em vez de irem entregar à esquadra mais próxima.
É por distracções destas, perfeitamente naturais, que um adjunto de Costa pode ter confundido quatro cadeiras com um curso e que um chefe de gabinete talvez tenha pensado que não ir à universidade dava direito a duas licenciaturas.
Assim, a expressão “tirar um curso” passou a ter outro significado: hoje, significa tirar o curso do currículo onde tinha sido posto.
O meu grande medo, neste momento, tendo em conta que sou tão distraído como um jotinha, é descobrir que, afinal, não tenho uma licenciatura. À cautela, já peguei nas minhas habilitações e fui escondê-las num armário, não venha alguém tirar-me o curso.
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