quarta-feira, 26 de março de 2014

De Vitor Malheiros...








O arco da corrupção


JOSÉ VÍTOR MALHEIROS

25/03/2014 - 01:42


Há todas as razões para o combate à corrupção ser uma bandeira da esquerda e nenhuma para não o ser.




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Jardim Gonçalves


Existem diferenças de monta entre as análises feitas à esquerda e à direita sobre a nossa crise económica e financeira. Essas diferenças têm que ver com as diferentes perspectivas sobre a origem dos nossos males, com o diagnóstico dos males em si e com o prognóstico.

Quanto às origens, enquanto a esquerda coloca de uma forma geral a tónica nas regras de funcionamento do euro, na crise financeira de 2008, na consequente redução das receitas do Estado e aumento de despesas sociais, na austeridade ela própria e na debilidade da nossa estrutura produtiva, a direita coloca em geral a tónica num excesso da despesa do Estado — seja devido aos investimentos em grandes projectos ou aos serviços do Estado social — e na corrupção.

A corrupção está também presente nas análises à esquerda, mas é em geral tratada com alguma contenção, já que a esquerda considera disparatado colocar este factor no topo da lista de responsáveis pelo empobrecimento do país, pelo desemprego e pela perda de direitos sociais. De facto, mesmo que Portugal fosse o mais impoluto dos países, a nossa situação económica, social e política não seria substancialmente diferente, se se mantivessem todos os outros factores.

Esta diferença de perspectivas é rica em consequências: a primeira é que a mensagem da esquerda é dificilmente compreensível (o que é “a arquitectura do euro”? o que é “a soberania monetária”? o que foi “a crise de 2008”?), enquanto a da direita é fácil de perceber — ficámos sem dinheiro porque gastámos acima das nossas possibilidades e porque nos andaram a roubar.

Podemos dizer que a mensagem da direita é uma descarada mentira ou que é uma simplificação abusiva. Seja como for, ela passa mais facilmente para a opinião pública. É simples e fácil de reproduzir.

Esquerda e direita podem discutir a questão da despesa do Estado, mas é impossível um acordo total sobre estas questões, onde qualquer compromisso obrigará a cedências mútuas: qual deve ser o papel do Estado no fornecimento de serviços sociais essenciais como a educação, a saúde e a Segurança Social? Que tipo e que nível de protecção deve o Estado garantir aos mais desprotegidos? Que papel deve o Estado guardar para si? O que deve fazer em nome próprio e o que pode subcontratar? Deve executar e gerir ou regular e encomendar? Que nível de gastos são admissíveis? Que impostos estamos dispostos a pagar para garantir as funções do Estado?

No entanto, sobre a questão da corrupção, não existem, em princípio, diferenças de opinião entre a esquerda e a direita: ambos os campos acham que não se deve roubar e que é particularmente feio roubar o dinheiro da comunidade.

No entanto, apesar disso, a denúncia vociferante da corrupção é usada com frequência como recurso retórico da direita — é mesmo típica da direita populista “antipolítica” emergente — e só raramente ele ocupa um papel central nas posições da esquerda.

Este facto é tanto mais estranho quanto a corrupção é um fenómeno especialmente ligado à prática política dos partidos do chamado “arco da governação” — tanto, aliás, que seria mais rigoroso usar a expressão “arco da corrupção” — e quanto as suspeitas ou casos de corrupção são raros e combatidos com particular veemência nos partidos à esquerda destes. Apesar disso, esta esquerda, piedosamente, continua a considerar a corrupção como um epifenómeno da política, independente das ideologias, e recusa-se no seu discurso político a estabelecer um laço entre os partidos do “arco da governação” e a corrupção, como a simples correlação estatística sugeriria.




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