sábado, 14 de janeiro de 2023

Do PROF. DR. Santana Castilho






 Extracto de uma entrevista do jornal "Público" ao PROF. DR. Santana Castilho:

(in apagina.pt/?aba=7%cat-522&doc=135538&=2)
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preciso questionar para que serve a escola pública
Um dos maiores problemas do ensino em Portugal é o insucesso escolar, que marca uma percentagem significativa dos alunos que frequentam não só o ensino obrigatório, mas também o ensino secundário. Será o ensino de segunda oportunidade, nomeadamente os Centros de Reconhecimento e Validação de Competências, uma forma de resolver a questão? Será que a escola não deveria intervir a tempo de prevenir este insucesso, mais do que depois fazer esta oferta pós-insucesso?
Não sou contra a possibilidade de conceder uma segunda, terceira ou quarta oportunidade às pessoas. O que eu não posso é aceitar que o sistema não seja exigente na primeira para depois justificar o aparecimento das seguintes, quando ainda por cima são tanto ou mais permissivas do que a primeira – refiro-me concretamente ao Programa Novas Oportunidades. Claro que existem casos em que o processo funciona honestamente, mas genericamente é uma farsa.
Uma coisa é reconhecer socialmente o conhecimento que um determinado profissional adquiriu de uma determinada profissão, que não é abordado na escola. Isso é algo de útil e justo. Outra coisa bem diferente é atribuir um diploma do 9º ano de escolaridade obtido em seis meses ou nove meses. E o problema não é o tempo em que é obtido. É que ao fim desses seis ou nove meses o candidato não sabe nada daquilo que alguém com o 9º ano é suposto saber. Isto é uma farsa total, absoluta. O que se está a fazer é aldrabar o país, a começar pelos próprios candidatos, que obtêm diplomas que não valem coisa alguma. Estamos a hipotecar o país, a desacreditar completamente tudo aquilo que certifica o conhecimento das pessoas.
Coloquei a minha questão sobretudo no sentido de saber a sua opinião sobre a forma como a escola deveria adequar a sua oferta no sentido de prevenir o insucesso, nomeadamente repensando o currículo unificado tal como está proposto no ensino básico - e que talvez contribua para esse insucesso. Não considera, por exemplo, que um currículo flexível, embora igualmente exigente, pudesse dar uma resposta mais eficaz?
A questão do currículo é complexa. Um dos grandes problemas do nosso sistema de ensino é a total ineficácia e descoordenação dos planos de estudo. Se repararmos bem, hoje em dia a escola é um refugo de tudo aquilo que a sociedade não consegue resolver. E isto não pode ser. Tem de se definir qual é a missão da escola, as suas prioridades e ter a noção de que ela não pode fazer tudo. E sobretudo tem de se perceber que as crianças e os jovens têm necessidades básicas absolutas correspondentes às suas faixas etárias, às quais é necessário responder com qualidade, exigência e eficácia. Para isso, é indispensável não só ter planos de estudo articulados, mas também definir o que é prioritário e o que cabe nesse espaço curricular para corresponder a essa qualidade. E esta qualidade define-se.
As pessoas passam a vida a falar da escola de qualidade. Mas o que é uma escola de qualidade? O que é um programa de qualidade? O que querem os pais para os seus filhos? O que vou dizer será provavelmente uma utopia, mas penso que se calhar temos de começar por organizar a sociedade para que os pais, quando geram um filho, saibam exactamente porque razão o fazem e tenham noção das suas responsabilidades.
Falta, então, um projecto para a escola portuguesa...
Sim, claramente. Qualquer organização tem objectivos. Se perguntarmos à escola qual é o objectivo da escola obteremos inúmeras respostas. Cada qual terá a sua opinião, mas a maior parte não sabe dizer coisa nenhuma. Pergunte à ministra da Educação qual é o objectivo da escola e eu garanto-lhe que ela não saberá responder - ou a resposta que der é disparatada. Basta ver a forma como ela está organizada actualmente e penso que estamos conversados sobre o assunto.
É preciso questionar para que serve afinal a escola pública, o que se deve ensinar a uma criança no ensino básico. Veja-se os programas, são risíveis, ninguém entende o que aquilo quer dizer... A expressão “eduquês” resultou de facto bem, e está patente em tudo aquilo que os “pedabobos” escrevem para a educação. Mas a verdade é que são seguidos acefalamente pela maioria das pessoas.
Fico também muito surpreendido com os professores ao reparar que eles gostam que se lhes chame educadores. Porque os professores não são educadores, são profissionais de cuja actividade deriva um contributo para um processo de educação dos cidadãos. Afinal, cada um é responsável pelo seu projecto educativo.
Nós precisávamos de parar para debater estas e outras questões, porque não há suficiente debate social sobre a educação. E ele verdadeiramente falta ao país. Mas infelizmente parece que não temos tempos para discuti-las. Vivemos numa sociedade completamente invertida, completamente tonta. Esta crise económica que estamos a viver, por exemplo, mostra bem a ganância das pessoas, a discrepância entre aqueles que ganham salários de cento e tal mil euros e ainda têm o desplante de vir dizer que os salários mínimos deviam ficar congelados para salvar o país. Estas afirmações ultrapassam a minha capacidade lógica. E a escola tem obviamente muita responsabilidade neste quadro.
Entrevista conduzida por Ricardo Jorge

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