sábado, 4 de fevereiro de 2017

De e sobre Primo Levi...



De e sobre Primo Levi, in O Citador:

"Opinião
Sobre o Se Isto é Um Homem de Primo Levi:
- Pode alguém ter sido Homem em Auschwitz?
Podemos dizer que é esta a interrogação fundamental do impressionante Se Isto é Um Homem, de Primo Levi.
Figura essencial da literatura italiana do pós-guerra, ao lado de outros como Italo Calvino ou Cesare Pavese, Levi é um judeu que sobreviveu "por sorte" aos campos de extermínio nazis, e que dedicou o resto da sua vida a tentar responder à "pergunta essencial" de Auschwitz: "O que é um homem?"
Mais do que uma descrição dos horrores do quotidiano num campo de extermínio, Se Isto é Um Homem, é um impressionante estudo daquilo em que os homens podem transformar outros homens, e da luta constante destes últimos para não deixarem de o ser: «...exactamente porque o Lager (campo de concentração) é uma grande máquina de nos reduzir a animais, nós não devemos tornar-nos animais.»
Para Levi, em Auschwitz, tal não foi possível.
Aqui, (como em outros campos de extermínio) a grande máquina ideológica alemã, deu estrutura e corpo a todas aquelas crenças e dogmas, que todos os homens têm em relação a outros homens, mas geralmente de forma escondida, vaga e difusa, e organizou-as de forma a levá-las até às suas últimas consequências.
O Nazismo é, por isso mesmo, a soma de todas aquelas características, presentes em todos nós, que juntas formam o Mal, tal como o podemos conceber. Auschwitz, foi o resultado dessa soma. Levi analisou esse resultado e questionou-se sobre: «o que resta de um homem quando todas as condições de existência humana lhe são subtraídas?»
Ao ler Se Isto é Um Homem chegamos à conclusão que não resta nada. Em Auschwitz, Levi era Häftlengue, a posição mais baixa na hierarquia do campo, composta por Kapos, criminosos, políticos, especialistas... Curiosamente, os SS´s raramente são referidos. A sua presença é constante, mas distante. Encimam as torres de vigia, assistem às execuções e participam nas selecções dos prisioneiros que vão para as câmaras de gás, mas a vida no campo é gerida totalmente entre os prisioneiros, e é a luta diária para subir na hierarquia do campo que vemos aqui relatada.
O Lager pode ser visto como um laboratório sinistro da vida real, e os prisioneiros pequenas cobaias insignificantes, sob o jugo nazi.
O Homem, como indivíduo, morreu em Aushwitz e, em seu lugar, nasceu uma massa informe, cinzenta e macerada, de milhares de imundos sacos vazios que se arrastavam: «Tem 30 anos mas, como todos nós, poderia dar-se-lhe entre 17 e 50.»
Apesar de morto, o Häftlengue 174 517, conseguia por vezes vislumbrar algo de uma humanidade que persistia para lá do arame farpado. Graças à bondade desinteressada de Lorenzo, um trabalhador civil de fora do campo que, arriscando a sua própria vida, fez com que Levi enviasse uma carta para casa, trazendo-lhe depois a resposta: «aconteceu-me não esquecer que também eu era um homem.»
Durante o dia, o Häftlengue 174 517, não sofria, não amava, não esperava, não sentia, não reagia, não vivia.
Nos raríssimos intervalos desta "existência negativa", (segundo Levi, os homens livres não conseguem definir, e muito menos compreender, a "não existência" de um Häftlengue) quando sentia "a dor de recordar o antigo e feroz sofrimento de me sentir homem, que me assalta como um cão no instante em que a consciência sai da escuridão", Levi o Homem, renascia penosamente, agarrava o caderno e o lápis (roubados da enfermaria) e escrevia «o que não seria capaz de dizer a ninguém».
Há uma segunda pergunta que poderia ser feita a Primo Levi:
- Poderá um homem sobreviver ao facto de ter sobrevivido a Auschwitz?
A esta pergunta Levi respondeu igualmente que não. Primo Levi suicidou-se no dia 11 de Abril de 1987, com o número 174 517 ainda tatuado no pulso.

Excerto
Na noite de 13 de Dezembro de 1943, Primo Levi, um jovem químico membro da Resistência, é detido pelas forças alemãs. Tendo confessado a sua ascendência judaica, é deportado para Auschwitz em Fevereiro do ano seguinte; aí permanecerá até finais de Janeiro de 1945, quando o campo é finalmente libertado. Da experiência no campo nasce o escritor que neste livro relata, sem nunca ceder à tentação do melodrama e mantendo-se sempre dos limites da mais rigorosa objectividade, a vida no Lager e a luta pela sobrevivência num meio em que o homem já nada conta.

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