quarta-feira, 26 de maio de 2021

Carta de Luís Osório a Jorge Sampaio





 POSTAL DO DIA

Carta a Jorge Sampaio no dia em que o vi a atravessar uma passadeira
1.
Um dia disse-me o que nunca esqueci: Luís, o importante não são as vitórias e as derrotas, o importante é o balanço, é sempre isso que importa no fim.
Não temos falado. Mas vi-o há umas semanas a atravessar a rua perto do Corte Inglês. Não têm decerto sido fáceis estes últimos anos, o país acompanhou os seus problemas de saúde, a operação, a dificuldade de prognóstico, o receio da sua partida. Ah, mas eu vi-o a atravessar a passadeira e nem consegui reparar se o seu passo era trémulo ou firme, se estava abatido, ser precisava de ajuda de quem caminhava ao seu lado, olhei para si e era o mesmo homem que aprendi a admirar: o jovem que liderou a crise estudantil de 1962; o corajoso advogado que defendeu os presos e perseguidos políticos do Estado Novo; o político que pensou sempre pela sua cabeça; o homem que soube manter-se independente sem perder a qualidade de ser solidário; o senador que abraçou a causa dos refugiados.
2.
Como estudante, advogado, fundador do MES, líder do PS, presidente da Câmara de Lisboa ou Presidente da República manteve o mesmo registo. Com derrotas e vitórias, mas com um balanço que o faz (aos meus olhos e aos olhos de tantos) uma referência da nossa República. Um homem sério. Preparado. Institucionalista. Confiável.
3.
Foi isso que eu vi quando o vi. Um personagem carregado de passado, mas até ao fim comprometido de futuro. Um homem grande. Sem telhados de vidro. Impoluto. Radicalmente livre.
Muitos parabéns, Dr. Jorge Sampaio.
Não por fazer anos, sei que só os faz em setembro, como eu. Muitos parabéns por ser a pessoa que é, por ter construído o que construiu.
Diz-se que está debilitado.
Que lhe começa a custar o caminho.
Que está mais magro.
Que se cansa com facilidade.
O que importa?
O que importa isso face ao balanço? E que balanço o seu, meu amigo… um dia que parta, no dia que partir poderei dizer aos meus filhos que o senhor é a prova de que é possível acreditar que o caminho não se faz pelo esmagamento do outro, mas pela convicção de que se deve, em cada momento, fazer o melhor possível em nome do interesse comum. Arriscando o que tiver de ser arriscado.
LO


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