sábado, 11 de março de 2017

Do nosso José Augusto Seabra...



Poema de José Augusto Seabra (1937-2004), in cvc.instituto-camoes.pt


Despedida


Encanecida pátria de joelhos,
aqui te deixo, exausto de sofrer-te.
Vou de olhos secos, cegos de perder-te,
sossegar ódios velhos.
Vou destruir-te as lágrimas de rojos,
nas mãos e mãos inertes.
Aos que sabem a ciência de vender-te
abandono os despojos.
Vou procurar-te ao bafo de outra face
quente, clara e agreste.
Aconchego-te aos restos
da minha pele gasta de afagar-te.
Vou de jornada. Aceno
um lenço breve e incerto.
Voltarei, voltarei. Num gesto
mais rebelde e sereno.
Ergue os teus ombros, pátria de joelhos,
olha-me bem nos olhos para ver-te.
Quero levar-te e ter-te
no meu ódio já velho.

(Notícias do Bloqueio, Fascículos de Poesia – 9, Porto, Março de 1962)

José Augusto Seabra
In Cem Poemas Portugueses do Adeus e da Saudade
Org. de José Fanha e José J. Letria
Lisboa, Terramar, 2002

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