domingo, 12 de fevereiro de 2017



Extracto de um texto de Oliveira Martins em www.pluralpluriel.org

...

O romance do génio peninsular


Ainda que haja alguns elementos de tragédia na História da Civilização Ibérica, a interpretação da totalidade da obra segundo as características deste modo de urdidura do enredo[23] é impossibilitada pelas linhas gerais do pensamento investido pelo historiador: todo o processo da evolução do espírito peninsular se estrutura de acordo com as leis da natureza projectadas para o mundo da história. Tudo isto faz com que não seja justo falar de uma luta com elas, visto que só no momento culminante deste desenvolvimento, no século XVI, se opera algo como a quebra nesta unidade do processo, uma vez que este momento é apresentado como excepcional, extraordinário, e que marca a ruptura com a ordem natural das coisas.

Nesta perspectiva, podemos falar, na História da Civilização Ibérica, de um elemento imprescindível da tragédia, isto é do encontro da vontade humana e da sua actividade com o destino, o que tem de terminar com a queda do homem, ainda que acompanhada pela anagnorisis. É evidente que a tomada da consciência do génio ibérico por si próprio faz-se no período máximo, no século XVI, através da obra de Camões, e estes elementos estão presentes na caracterização desta época. Todavia, o facto de o processo histórico na sua interpretação ter um carácter circular (corsi e ricorsi de Vico, o mito do eterno retorno) e da identificação posterior das forças criadoras com as destruidoras faz com que este momento trágico seja derrubado da importância para a interpretação e que seja o modelo do romance (ou ainda, mais especificamente, de Bildungsroman) prevalecente nesta narrativa[24]. O que também aponta mais para o modo do romance é o significado final altamente positivo da visão de Martins, o carácter nobre do seu objecto[25] e a propensão processual da narrativa, que segundo White caracteriza este modo da urdidura de enredo (1975: 10).

O processo histórico da formação da Península Ibérica, concebido e descrito por Oliveira Martins na História da Civilização Ibérica, é um romance do génio peninsular, cujo ponto de chegada é a criação duma civilização – já uma vez a Espanha tinha atingido esta meta, outra culminação está a ser espontaneamente e inconscientemente elaborada. História da Civilização Ibérica é portanto um romance (o modo de urdidura de enredo na nomenclatura de White) da aspiração da realização plena do génio peninsular, figurada pelo apogeu da civilização que o gerou e que ele ao mesmo tempo fomenta e move. O mythoi do romance parece ser o mais adequado para a caracterização da História da Civilização Ibérica, se bem que da visão do processo histórico sejam de propósito excluídas as categorias do bem e do mal, dada a sua inadequação à descrição pretendida (a situação será diametralmente diferente na História de Portugal).








Sem comentários:

Enviar um comentário