Aristides de Sousa Mendes
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Aristides de Sousa Mendes
Nome completo Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches
Conhecido(a) por Salvar as vidas de mais de 30 000 refugiados que buscam escapar do terror nazi durante a Segunda Guerra Mundial.
Nascimento 19 de julho de 1885
Cabanas de Viriato, Carregal do Sal, Portugal
Morte 3 de abril de 1954 (68 anos)
Lisboa, Portugal
Nacionalidade português
Progenitores Mãe: Maria Angelina Ribeiro de Abranches de Abreu Castelo-Branco
Pai: José de Sousa Mendes
Cônjuge Maria Angelina Ribeiro de Abranches Coelho de Sousa Mendes, Andrée Cibial
Ocupação Diplomata
Aristides de Sousa Mendes, também conhecido por Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches, nome para o qual alterou o seu,[1] GCC • OL ( Cabanas de Viriato, 19 de julho de 1885 — Lisboa, 3 de abril de 1954) foi um cônsul Português.
Enquanto Cônsul de Portugal em Bordéus no ano da invasão da França pela Alemanha Nazi na Segunda Guerra Mundial, desafiou ordens expressas do ditador António de Oliveira Salazar que acumulava a função de ministro dos Negócios Estrangeiros, e durante cinco dias concedeu milhares de vistos de entrada em Portugal a refugiados de várias nacionalidades que desejavam fugir da França em 1940.
Embora algumas fontes apontem o número de judeus salvos do Holocausto por Sousa Mendes na ordem dos dez mil,[2] num total de trinta mil refugiados a quem terá passado vistos, estudos levados a cabo pelo historiador Avraham Milgram, da Yad Vashem, sugerem que estes números terão origem num equívoco com o número total de judeus que terão passado por Portugal durante a segunda guerra mundial, cuja origem terá sido incorrectamente atribuída à acção de Sousa Mendes pelo autor Harry Ezratty em 1964, e desde então repetido acriticamente e sem verificação por muitos jornalistas e autores. Embora o número total de vistos passados por Sousa Mendes seja desconhecido, devido a muitos deles terem sido passados sem que deles se fizesse registo, esse número terá sido, na realidade, bastante inferior aos números iniciais referidos por Ezratty.[3] Segundo Avraham Milgram, que reconhece o heroísmo do feito de Sousa Mendes, este equívoco terá contribuído para que vários jornalistas e autores tenham vindo a exagerar a figura e os feitos de Sousa Mendes, comparado-o com outras personalidades como a de Raoul Wallenberg.[nota 1][3]
Índice [esconder]
1Primeiros anos
2A Segunda Guerra e a "Circular 14"
3Maio de 1940 Aristides falsifica documentos
4Junho de 1940 Aristides concede vistos indiscriminadamente
5Processo disciplinar
6Desenvolvimentos posteriores
7Últimos anos
8Reconhecimento
9Controvérsia em torno do número de vistos
10Outros portugueses que ajudaram refugiados
11Pessoas notáveis que usufruíram de vistos passados por Aristides de Sousa Mendes
12Ver também
13Notas
14Referências
15Bibliografia
15.1Fontes Primárias
15.2Fontes Secundárias Académicas
15.3Fontes Secundárias, Outras
16Ligações externas
Primeiros anos[editar | editar código-fonte]
Aristides nasceu na pequena aldeia de Cabanas de Viriato, concelho do Carregal do Sal, no sul do Distrito de Viseu a 19 de Julho de 1885 um pouco depois da meia-noite[4]. O seu irmão gémeo César nasceu algumas dezenas de minutos antes, comemorando o seu aniversário no dia anterior. Pertencia a uma família aristocrática rural, católica e monárquica, qualidades que partilhava, apoiando inclusivamente a contra-revolução conhecida como "Monarquia do Norte".[5]) O seu pai, José de Sousa Mendes, era juiz no Tribunal da Relação de Coimbra.[6]
Aristides instala-se em Lisboa em 1907, após concluir, juntamente com o seu irmão gémeo, a licenciatura em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.[7] César envereda pela carreira diplomática, mais política, ao passo que Aristides envereda pela carreira consular. Nesse mesmo ano casa-se com Maria Angelina Coelho de Sousa, sua namorada de infância[nota 2], com quem teve catorze filhos, nascidos nos diversos países em que Sousa Mendes esteve colocado. Pouco depois do seu casamento, Sousa Mendes começou a carreira consular que o levaria e à sua família ao redor do mundo. No início de sua carreira atuou em Zanzibar, Brasil, Espanha, Estados Unidos e Bélgica. Aristides teve sempre uma carreira algo atribulada e com vários incidentes, sobretudo por abandono de posto sem autorização e por utilização abusiva de dinheiros públicos.[8][9] Ao longo de 30 anos Aristides teve conflitos e incidentes com os mais diversos regimes políticos. O primeiro incidente deu-se em 1917 quando Aristides foi admoestado por ter abandonado o seu posto em Zanzibar sem para tal ter solicitado a devida autorização. Em 1919, quando colocado no Brasil, Aristides sofre uma suspensão, por dois anos, por comportamento anti-republicano.[10]
Em 1923 quando colocado em São Francisco, nos EUA, Aristides entra em choque com a comunidade local portuguesa por estar a exigir, indevidamente, aos emigrantes portugueses, uma contribuição para um fundo de caridade da Colónia Portuguesa do Brasil para os órfãos se guerra.[11] Perante a recusa, como represália, Aristides proíbe os notários portugueses de trabalharem para o consulado e os notários acusam-no de os estar a afastar para poder assim receber ele "ou algum afilhado…a mais gorda fatia da receita", e apelidam-no de "Lord de Opera-bufa". Aristides decidiu então dar réplica pública aos queixosos e, pouco diplomaticamente, recorre aos jornais Americanos para esgrimir os seus argumentos, atacando em particular os directores da Irmandade do Divino Espírito Santo. O MNE ordenou-lhe que suspendesse todas as publicações nos jornais, ordem que Aristides ignorou, continuando a sua contenda pública.[12] O conflito atingiu tais proporções que o governo americano desagradado lhe cancelou a exequatur, impedindo-o assim de continuar a exercer as funções de cônsul em território Norte Americano.[13] Aristides foi então enviado para o Consulado do Maranhão no Brasil.[14] Em 1926 Aristides regressa a Lisboa para prestar serviço na Direcção-Geral dos Negócios Comerciais e Consulares.
Após a revolução militar do 28 de Maio de 1926, Aristides, que era monárquico e nacionalista[15] apoia abertamente o regime ditatorial desde o seu início e a sua carreira começa então a melhorar significativamente.[16] Em 1927 é nomeado cônsul em Vigo onde colabora com o Estado Novo na aniquilação das manobras dos refugiados políticos. É o próprio Aristides quem o escreve, em carta enviada ao MNE, datada de 1929 considerando-se a pessoa apropriada "para vigiar e inutilizar os manejos conspiratórios dos emigrados políticos contra a ditadura" e vangloria-se de que "no manejo dessa melindrosa missão", fez "inúmeras diligências junto das autoridades espanholas fornecendo ao nosso governo informações que permitiram liquidar os ditos manejos revolucionários".[17]
Em 1929 foi nomeado Cônsul-geral em Antuérpia, cargo que ocupou até 1938. Seu empenho na promoção da imagem de Portugal não passou despercebido. Foi condecorado por duas vezes por Leopoldo III, rei da Bélgica, tendo-o feito oficial da Ordem de Leopoldo II em 6 de Janeiro de 1931[18] e comendador da Ordem da Coroa, a mais alta condecoração belga. Durante o período em que viveu na Bélgica, conviveu com personalidades ilustres, como o escritor Maurice Maeterlinck, Prémio Nobel da Literatura, e o cientista Albert Einstein, Prémio Nobel da Física.
Aristides sempre viveu com dificuldades financeiras[19] e em 1932 e 1938[20] volta a ser repreendido por irregularidades nas contas do consulado. Também em 1938, Aristides é, mais uma vez, repreendido por ter abandonado o seu posto em Antuérpia sem que previamente tenha informado a legação de Londres. Outro incidente é a repreensão por declarações públicas, em nome do Estado Português, aquando da inauguração do Pavilhão Português na feira de Bruxelas em 1935.[21]
Aristides nem sempre seguia regras e protocolos. Contavam os seus próprios filhos que quando colocados em Antuérpia, Aristides tinha por hábito envia-los, a eles, então ainda adolescentes, em sua substituição, a cerimonias e eventos oficiais, o que por vezes causava perplexidade entre os convidados.[22]
Depois de quase dez anos de serviço na Bélgica, Salazar, presidente do Conselho de Ministros e ministro dos negócios estrangeiros, nomeia Sousa Mendes cônsul em Bordéus, França.
Em 1938, em Bordéus, Andrée Cibial, uma jovem francesa de 32 anos, entra na vida de Aristides, contava então ele com 53 anos; era católico devoto, pai de uma prole, numerosa, 14 filhos, dos quais 12 vivos. [23][24]Jose-Alain Fralon, jornalista do Le Monde conta-nos na sua biografia de Aristides que Andrée Cibial era uma mulher com um gosto especial por transgredir regras, com uma maneira de ser jovial completamente oposta à de Angelina, a esposa leal e devota de Aristides.[24]Não tardou muito a que Andrée aparecesse grávida de Aristides e ela não procurou ocultar o facto, pelo contrário, deu-o a conhecer a toda a gente e à sua maneira peculiar, a meio da missa dominical na Catedral de Ribérac. A tia que a acompanhava ficou horrorizada.[23]
A Segunda Guerra e a "Circular 14"[editar | editar código-fonte]
Ao longo dos anos 30 e com o aproximar da guerra, Portugal começa a ser um destino de refugiados e a PVDE detecta e desmantela várias redes de falsificação de passaportes portugueses que são vendidos sobretudo a judeus e apátridas.[25] O pano de fundo político‐ideológico do Estado‐Novo fazia do comunismo a grande ameaça à salvaguarda da ordem e equilíbrio pretendidos pelo regime, daí que, logo em 1933, a PVDE tenha alertado o MNE para a necessidade de uma estratégia mais rigorosa para a concessão de vistos a estrangeiros, com especial atenção à possibilidade de entrada em território nacional de indivíduos considerados subversivos.[nota 3] Com ou sem fundamento, quem encarnava quase sempre essa "fobia anticomunista", eram os polacos, os russos, os apátridas e os judeus.[nota 4]
Em 1937 Salazar publicou vários textos onde criticou os fundamentos das leis de Nuremberga e considerou lamentável que o nacionalismo alemão estivesse vincado por características raciais.[26] e em 1938, o Cardeal-Patriarca de Lisboa, Manuel Gonçalves Cerejeira criticou o regime Hitleriano por se basear na ideia de raça para edificar um Estado.[27].Também em 1938, Salazar sai em defesa dos judeus portugueses, dando instruções à embaixada na Alemanha, para que os interesses dos judeus portugueses sejam defendidos com diplomacia mas com muita firmeza[28][nota 5].
O historiador da Yad Vashem Avraham Milgram afirma peremptoriamente que o anti-semitismo moderno não teve qualquer acolhimento em Portugal[nota 6] e faz notar que Salazar autorizou que, durante a guerra, se estabelecessem em Lisboa as várias organizações judaicas de apoio aos refugiados judeus. Milgram também escreve que quando comparando a atitude dos funcionários consulares de países como Brasil, Argentina e Estados Unidos, com a atitude dos funcionários consulares portugueses se nota nos portugueses uma quase ausência de preconceitos anti-semitas, o que se pode considerar quase sui generis entre os serviços consulares de então.[30]
Com a anexação da Áustria em 1938 a situação de milhares de Judeus sofre uma mudança significativa. Os países vizinhos não tardaram a tomar medidas restritivas contra a emigração.[nota 7] O Presidente Roosevelt convocou a conferência de Evian com o intuito de discutir o problema dos judeus na Europa. A conferência saldou-se num logro com a maioria dos países a recusarem-se a receber os judeus alemães[nota 8]. Portugal, não podendo, pela sua pequena dimensão, ser parte da solução, não foi sequer convidado a participar nesta conferência. César Sousa Mendes, irmão gémeo de Aristides, é Embaixador em Varsóvia quando a Polónia aprova várias leis anti-semitas e preocupado com a perspectiva de uma vaga de emigração de polacos indesejados para Portugal escreve para o MNE a solicitar que sejam tomadas medidas restritivas.[25]
No dia 1 de Setembro de 1939 a Alemanha a Eslováquia e a Rússia invadem a Polónia. Passados dois dias, a 3 de Setembro a França e a Grã-Bretanha, seguidos pela Austrália, Canada, Nova Zelândia e África do Sul, declaram guerra à Alemanha. O período que se segue ficou conhecido como a falsa guerra ("phoney war" ou "drole de guerre"). A guerra estava declarada mas nenhum dos lados tomou a iniciativa de fazer qualquer ofensiva significativa. É nesta altura que Aristides decide levar parte da família para Portugal, mais uma vez desrespeitando o procedimento de pedir autorização superior, reincidindo na desobediência de abandono de posto.[31]
Com o início da guerra, e não obstante a fiscalização e o rigor nas fronteiras ser cada vez mais apertado, o descontrolo subsiste. Às entradas clandestinas, juntar‐se‐iam a falsificação de documentos e as falsas declarações. Segundo estatísticas da PVDE, só entre Setembro e Dezembro entram em Portugal, via Lisboa e Leixões, cerca de 8889 estrangeiros.[25] Assim sendo, havia que por cobro aos procedimentos irregulares que, na época, se verificavam em muitas das embaixadas portuguesas; para tal serviu a Circular n.º 14 do MNE, distribuída a 11 de Novembro de 1939, que obrigava os serviços consulares a consultar a PVDE, e o Ministério antes de concederem vistos a apátridas, russos e judeus expulsos dos seus países. A Circular 14 afirmava explicitamente que não tinha qualquer intenção de obstruir ou atrasar a concessão de vistos a passageiros em trânsito para outros países, utilizando Lisboa, como ponto de embarque. Ou seja, os consulados ficavam autorizados a conceder com autonomia vistos para Portugal em todos aqueles casos em que o passageiro demonstrasse ter um bilhete de saída do território português bem como um visto de entrada no país de destino. O destino dos que fugiam era geralmente as Américas, mas muitos vistos eram também concedidos, como hoje o são, a turistas e pessoas em negócios.[8]
Esta Circular 14 tem sido muito criticada, sobretudo por aqueles que querem atacar o Estado Novo, contudo as regras estabelecidas por esta circular eram bem menos restritivas que a de outros países, como é o caso dos Estados Unidos[32] e Canadá, e o caso mais extremo da Grã-Bretanha que logo a seguir à declaração de guerra, cancelou por completo a concessão de vistos, com receio da entrada de inimigos infiltrados.[nota 9]Portugal tal como os outros países tentava proteger-se de entradas indiscriminadas de eventuais agitadores políticos, criminosos, apátridas, etc. e não tinha por base motivações anti-semitas. Por outro lado, como escreve Avraham Milgram, Portugal, país pobre, não tinha condições de receber hordas de refugiados.[3]
Poucos dias após a distribuição da Circular 14, e ainda muitos meses antes de se terem iniciado as hostilidades na fronteira Francesa, em Novembro de 1939, Aristides concede um visto a Arnold Wizniter[8], um judeu, austríaco e antigo professor universitário, sem previamente pedir autorização ao MNE. Mais tarde, Aristides, reconhecendo o seu erro, justifica o acto como sendo um acto humanitário, já que caso não o fizesse Arnold Wizniter seria internado num campo de concentração.(Tratava-se de campos de internamento franceses onde as autoridades francesas internavam alemães e cidadãos do III Reich).
Pouco tempo depois, em 1 de Março de 1940, mais uma vez muito antes do início das hostilidades na fronteira francesa, Sousa Mendes concede mais um visto sem prévia autorização do MNE, o que lhe causará uma advertência pela infracção. Desta vez, tratou‐se de um refugiado político espanhol, o comunista Eduardo Neira Laporte,[8] médico que exercera o cargo de professor na Universidade de Barcelona e que, à época era o dirigente da comunidade basca espanhola em Rivière (uma aldeia perto de Dax, em França). O Ministério informou Sousa Mendes da recusa para a concessão do visto para este caso, mas Sousa Mendes ou não esperou pela resposta do MNE, ou quis ignora-la, e concedeu o visto.
Maio de 1940 Aristides falsifica documentos[editar | editar código-fonte]
A 10 de Maio de 1940 a Alemanha lança uma ofensiva contra a França, Bélgica, Holanda e Luxemburgo. É nesta altura que milhões de pessoas começam a abandonar os seus lares e terras fugindo da frente de batalha.
A 30 de Maio, Aristides, volta a prevaricar. Desta vez vai para além da desobediência à Circular 14. Uma mulher luxemburguesa de origem portuguesa, antiga conhecida de Aristides, pede-lhe ajuda para fugir para Portugal juntamente com o seu marido luxemburguês, Paul Miny. Paul está em idade militar e quer fugir da mobilização para o exercito luxemburguês que estava a ser organizado no norte de França. Aristides conhece a mulher e quer ajuda-la, decide então falsificar os documentos e fazer Paul passar por cidadão português, o que lhe permitirá, iludindo as autoridades fronteiriças francesas, escapar à mobilização[8][34]
A 7 de Junho, já com Paul Miny em fuga à mobilização, ainda as tropas Francesas resistiam heroicamente contra a ofensiva alemã na batalha do Somme, a 700km de Bordeus. A 14.ª divisão Panzer é reduzida a menos de metade e nessa altura o General Alemão Von Richenau comandante-chefe do 6.º exercito diz "os militares franceses envolvidos na batalha do Somme lutaram como leões".
Nesta altura Aristides arriscou-se bastante, a falsificação de documentos é um crime grave, punível com a pena de prisão[35]. O facto de Aristides ser funcionário público constituía uma agravante.[36] Mais tarde no processo disciplinar que lhe é movido, a acusação decide desviar o olhar deste incidente, poupando Sousa Mendes a uma condenação certa, considerando-o um caso fora do âmbito das competências do MNE, ou seja, um caso de polícia e justiça[8].
Junho de 1940 Aristides concede vistos indiscriminadamente[editar | editar código-fonte]
Com exército alemão a aproximar-se de Paris, gera-se o pânico na população francesa que se poe em fuga e dá-se então início ao maior movimento de deslocação de pessoas da história da Europa.[37] Estima-se que entre oito a dez milhões de pessoas, sobretudo mulheres velhos e crianças, em pânico, se tenham posto em fuga, em direcção ao sul, mas sem um destino concreto, num movimento desordenado, chegando inclusivamente a limitar a manobra do exército francês, e chegando ao ponto de na parte final, a multidão, já ultrapassada pelo exercito alemão, estar já a fugir em direcção ao inimigo.[nota 10]
Até esta altura, e desde o início da guerra, o consulado português tinha emitido cerca de 1200 vistos, quase todos autorizados pelo MNE, com excepção dos vistos passados ao comunista Neira Laporte, ao judeu austríaco Arnold Wizniter e mais alguns vistos, poucos, que Aristides na altura negou[8] mas que hoje podem ser identificados. Note-se que Bordéus não era o único consulado que emitia vistos. Durante este período todos os restantes consulados portugueses espalhados pela Europa distribuíram vistos. Tal era o caso de Antuérpia, Paris, Toulouse, Berlim, Hendaia, etc.[3]
É em princípios de Junho de 1940 que a avalanche de população em fuga se abate sobre Bordéus.[nota 11]Os números falam por si. Nos primeiros 10 dias de Junho o consulado Português de Bordéus emitiu 59 vistos regulares. No dia 10 de Junho a Itália declarou guerra à França e à Grã-Bretanha. No dia 11 de Junho o consulado emitiu 67 vistos, a 12 emitiu 47. No dia 12 de Junho a Espanha altera a sua posição de país neutral para não-beligerante colocando a neutralidade de Portugal em risco. No dia 13 de Junho o consulado emitiu apenas 6 vistos.[8] Foi provavelmente no dia 13 que Aristides, sucumbindo à pressão psicológica de ter de auxiliar a uma população em pânico e também pressionado pelos escândalos provocados no consulado pela sua amante grávida[nota 12], se retirou para o seu quarto onde esteve três dias deitado com um esgotamento nervoso.[40]
Com Aristides acamado o consulado continua a emitir vistos; no dia 14 de Junho emitiu 173 vistos, e a 15 emitiu 112. A 16 de Junho o diplomata Francisco Calheiros e Menezes chega a Bordéus e é recebido pelo Cônsul, num quarto escuro onde o cônsul se encontra acamado, exausto.[8] Nesse mesmo dia,16 de Junho, um Domingo, Aristides emitiu 40 vistos e inclusivamente diz que cobrou pessoalmente os emolumentos suplementares a que tinha direito por estar a trabalhar a um domingo. Aristides recorda em particular os vistos que concedeu ao banqueiro Rothschild, que não quis esperar por segunda-feira e se prestou a pagar os emolumentos suplementares.[8]
É no dia 17 de Junho que Aristides, dizendo-se inspirado por um poder divino,[41][42] decide conceder visto a todos os que lho pedissem: "A partir de agora, darei vistos a toda a gente, já não há nacionalidades, raça ou religião". Com a ajuda dos seus filhos e sobrinhos e do rabino Kruger, ele carimba passaportes, assina vistos, usando todas as folhas de papel disponíveis. No dia 17 emitiu 247 vistos, dos quais muitos a cidadãos portugueses.[nota 13]No dia 18 emitiu 221 vistos e no dia 19 emitiu 156 vistos.
Entre as pessoas que ele o estão a ajudar encontra-se o Rabino de Antuérpia, Jacob Kruger, que lhe faz compreender que há que salvar os refugiados judeus.
Confrontado com os primeiros avisos de Lisboa, ele terá dito:
“ Se há que desobedecer, prefiro que seja a uma ordem dos homens do que a uma ordem de Deus. ”
Segundo alguma literatura Aristides, com a ajuda da família e do Rabino Kruger, terá montado uma "linha de montagem" para conceder milhares de vistos. Contudo, o escritor americano Eugene Bagger, deixou um testemunho algo diferente. Eugene Bagger conta que esteve, em vão, todo o dia 18 esperando numa longa fila para conseguir o seu visto e que já eram 7 horas da tarde quando desistiu. Dormiu no carro e no dia seguinte voltou ao consulado onde passou a manha esperando, novamente em vão, tendo desistido por volta das 11 a.m. Dirigiu-se então ao hotel Splendid onde encontrou Sousa Mendes tomando um aperitivo com um amigo. Sousa Mendes queixou-se-lhe do excesso de trabalho e calor da véspera. Assinou-lhe o passaporte e disse-lhe que voltasse ao consulado para que lho carimbassem. Quem ajudou Eugene Bagger foi um Polaco, que tinha sido cônsul honorário e que levou Bagger ao consulado e lhe carimbou o passaporte.[43][nota 14]
O MNE só se dá conta deste problema, no dia 20 de Junho, quando é surpreendido por uma nota enviada pela Embaixada Britânica que se queixa de que o cônsul português está a protelar a passagem de vistos para fora do horário de expediente, para poder receber mais emolumentos e que, adicionalmente, em pelo menos um caso tinha exigido uma contribuição indevida para um fundo de caridade.[8] [nota 15](Não era a primeira vez que Aristides era acusado de estar a exigir, indevidamente, contribuições para fundos de caridade a troco de serviços consulares, tal já havia ocorrido em 1923 quando o cônsul se encontrava em São Francisco).
O MNE ordena então à embaixada em Paris que resolva o problema em Bordéus. Nesse mesmo dia Aristides parte para o consulado de Baiona onde continua a sua actividade de 20 a 23 de junho, no escritório de um vice-cônsul estupefacto.
Em 22 de junho de 1940 a França e a Alemanha assinaram um armistício. Terminam as hostilidades e o Reino Unido é a única potência em guerra com a Alemanha. Os refugiados começam então a poder regressar a suas casas. Contagens oficiais apontam para mais de 6 milhões de refugiados, dos quais 2 milhões são parisienses e 1 milhão e 800 mil são belgas. [nota 16]
O escritor Eugene Bagger relata nas suas memórias que no dia 21 de Junho viu Sousa Mendes a sair apressadamente do Consulado de Portugal em Bayone gritando, com a cabeça entre as mãos, “Vão-se embora! Não há mais vistos!” e que saltou para dentro de um carro tendo sido perseguido por uma multidão que o amaldiçoava.[44] Apesar do armistício, Aristides continua a emitir vistos, em desespero começa a emitir vistos em papéis improvisados, mas estes vistos improvisados não serão aceites na fronteira Espanhola. O Embaixador de Portugal em Madrid, Pedro Teotónio Pereira recebe protestos das autoridades Espanholas e desloca-se à fronteira de Irun onde, segundo as suas palavras, encontra Aristides com um aspecto de grande desalinho, um homem perturbado e fora do seu estado normal". E acrescenta não ter o cônsul "a mais ligeira noção dos actos cometidos”.[45]. Os actos de Sousa Mendes não podiam ter vindo em altura menos apropriada para a política de neutralidade seguida por Salazar e Teotónio Pereira. Os tanques alemães estavam a chegar aos Pirinéus e existia um risco real que a Espanha e ou a Alemanha invadissem Portugal.[46][47]
Apesar de terem sido enviados funcionários para impedir Aristides de continuar a atribuição indiscriminada de vistos, este lidera, com a sua viatura, uma coluna de veículos de refugiados e guia-os em direcção à fronteira, onde, do lado espanhol, não existem telefones. Por isso mesmo, os guardas fronteiriços não tinham sido ainda avisados da decisão de Madrid de fechar as fronteiras com a França. Sousa Mendes impressiona os guardas aduaneiros, que acabariam por deixar passar todos os refugiados, que, com os seus vistos, puderam continuar viagem até Portugal.
Antes, durante e depois do episódio de Aristides em Bordéus, os consulados portugueses continuaram sempre a conceder vistos a todos aqueles que queriam utilizar Portugal como ponto de passagem, sobretudo para as Américas.
Passados dois dias de Aristides ter sido exonerado os escritórios da HICEM [nota 17]foram transferidos para Lisboa. Passados mais alguns dias a Madeira aceitou acolher cerca de 2500 refugiados gibraltinos, na sua maioria mulheres e crianças que chegaram ao Funchal entre 21 de Julho e 13 de Agosto de 1940. Foram acomodados em hotéis, pensões e casas particulares e aí permaneceram até ao fim da Guerra.[48] [nota 18]
As pessoas com vistos emitidos por Sousa Mendes foram autorizadas a entrar em Portugal, foram acolhidas, alimentadas e apoiadas. Um simples carimbo no passaporte não teria bastado para salvar um refugiado.
Numa entrevista recente, Rui Afonso, biógrafo e admirador de Aristides, conta-nos que depois de muitos anos de investigação tem chegado à conclusão que a maioria dos refugiados ajudados por Aristides eram pessoas com meios. Claro que pessoas como o rabino polaco Chaim Kruger, homem relativamente pobre, eram pessoas de meios muito mais modestos do que os milionários e aristocratas que também receberam vistos. Havia homens de negócio, industriais, muita gente que trabalhava na indústria dos diamantes na Antuérpia, atores de cinema, pianistas, pintores, intelectuais, banqueiros etc. Para ter passaporte e para viajar era preciso, na altura, ter meios financeiros.[51]
Processo disciplinar[editar | editar código-fonte]
A 4 de Julho de 1940, após retornar à casa da família em Cabanas do Viriato, Salazar ordenou uma investigação sobre as acções de Aristides de Sousa Mendes em Bordéus, dando início a um processo disciplinar formal contra o cônsul. Dois funcionários foram encarregados dessa investigação, Francisco de Paula Brito Júnior e o Conde de Tovar, ambos diplomatas de reputação pró-Eixo.[52]
A 1 de Agosto do mesmo ano, o Ministério dos Negócios Estrangeiros emitiu uma "nota de culpa" sobre Sousa Mendes, enumerando um total de quinze acusações. Agrupadas em quatro rubricas: 1- desobediência, 2-falsificação de documentos, 3-Abandono do lugar e 4 – Concussão. Um relato jornalístico da época indicia que outros motivos para além das infracções ministeriais poderão ter estado na origem do processo contra Sousa Mendes, referindo a situação "humilhante" que criou para Portugal face à ocupação germânica e ao governo espanhol, implicando que a neutralidade portuguesa poderá ter sido comprometida pelas acções de Sousa Mendes em Junho desse ano. O mesmo relato refere os receios de uma invasão alemã ou espanhola a Portugal nesse Verão, receando-se que as acções do cônsul tivessem originado um desastre.[53] As acusações realçavam a atribuição de vistos a judeus de nacionalidade russa, proibida pelas regras do ministério, entre outras infracções gerais das regras, listando ainda algumas acusações pontuais sobre visas e passaportes reportadas a Novembro de 1939.[53]
A 11 de Agosto, Aristides de Sousa Mendes enviou uma carta de defesa, admitindo ter assinado os visas e passaportes em questão, mas defendendo as suas acções com base numa combinação de circunstâncias extenuantes, e necessidade humanitária. Significativamente, esta carta de defesa não incluía o argumento alegadamente usado por Sousa Mendes em Bordéus, que a Constituição Portuguesa proibia a religião ou opções políticas de um indivíduo de serem usadas para lhe negar refúgio em Portugal.[53]
O caso continuou sob a forma de conselho disciplinar até o final de Outubro, liderado por Paula Brito e o Conde de Tovar, sendo julgada a validade das quinze acusações e ponderada a sentença. O Conde Tovar, no seu parecer, reconhece a atenuante devida à "atmosfera de pânico e os actos praticados pelo arguido no final do mês de Junho e porventura para os praticados no final do mês de Maio, mas infelizmente os actos praticados neste período não são mais do que a repetição ou um prolongamento de um procedimento que já vinha de longe e para o qual não se pode invocar a mesma atenuante. Muito antes de 15 de Maio já tinha havido infração e reincidência.". A acusação chama ainda a atenção que este é o quarto processo disciplinar movido contra o arguido ao longo da sua carreira bem como refer ainda uma lista bastante longa de repreensões e censuras, sendo que o primeiro processo data de 1917.[54] Cada avaliador usou diferentes critérios na apreciação do caso, consoante a sua própria interpretação da Lei de Serviço Civil de 1913, cada um recomendando um castigo diferente. Paula Brito defendeu a sua suspensão do serviço activo com pedra de salário durante um período de 30 a 180 dias semente, enquanto o Conde de Tovar defendeu uma punição com "retorno ao escalão imediatamente inferior" no serviço consular. Paula Brito submeteu-se ao julgamento final do Salazar sobre o caso, admitindo uma punição mais severa caso o Ministro a julgasse melhor servir os interesses da Justiça.[55]
Salazar não considerou a lei de 1913, preferindo guiar-se por outra de 1928, criada já durante a Ditadura. A sentença sobre o caso foi proferida a 30 de Outubro de 1940, prefaciando-a Salazar com a consideração de estar a condenar várias infracções cometidas pelo cônsul, no seguimento de um aviso, afirmando que tanto o relatório ministerial como o conselho disciplinar reconheciam a incapacidade profissional de Sousa Mendes para estar à frente de consulados, em particular num escalão tão alto. O Cônsul foi sentenciado a um ano de inactividade, com direito a metade do salário do seu escalão, Cônsul de Primeira Classe, obrigando-se este à aposentação findo este prazo. À parte um decreto datado de Março de 1942, mencionando o seu estado de inactivo no serviço, "aguardando a aposentação", esta foi a última menção oficial da parte do governo sobre este caso. Aparentemente, a lei que promulgaria a sua aposentação nunca foi publicada.[56]
Desenvolvimentos posteriores[editar | editar código-fonte]
Após a sentença de Outubro de 1940, Sousa Mendes fez repetidos apelos ao ministério para voltar ao serviço activo, tendo Salazar recusado sequer recebe-lo pessoalmente. O cônsul contratou então um jovem e brilhante advogado, Adelino Palma Carlos, líder militante da Juventude Republicana e notável académico, conhecido por aceitar defender casos impopulares. Num memorando judicial, intitulado "Alegações do Apelante" e datado de 4 de Abril de 1941, Palma Carlos indicou existirem falhas e inconsistências notórias no caso do Ministério. Apontou as duas sentenças diferentes recomendadas pelos dois membros do conselho disciplinar, assim como o facto de Salazar ter usado uma lei diferente da destes como base para a sua sentença. Palma Carlos concedeu ter havido responsabilidade por parte do seu cliente na assinatura dos controversos visas e passaportes,mas argumentou igualmente as circunstâncias extenuantes e razões humanitárias. O seu principal argumento, no entanto, foi as testemunhas que depuseram tanto a favor como contra Aristides de Sousa Mendes terem concordado que o réu não poderia ser legalmente responsabilizado pela sua conduta, devido ao estado de choque em que se encontrava o seu raciocínio, sujeito a circunstâncias excepcionais. Na sua defesa, Palma Carlos citou o manual de lei de serviço civil dum membro da classe governante, o professor Marcello Caetano, Professor de Direito na Universidade de Lisboa. Esta obra de referência apontava que, para que o réu fosse indiciado pelos seus actos, os elementos de responsabilidade legal, material e moral teriam de ser provados. No caso de Sousa Mendes, a responsabilidade moral pelos seus actos em França nunca ficou provada, devido ao seu estado mental alterado durante esses acontecimentos. Avaliada conjuntamente com a declaração de Salazar, a defesa do advogado pode ser interpretada como uma espécie de alegação de insanidade, com um enquadramento lógico e consequente face à sentença proferida por Salazar.[56]
Esta inteligente apelação judicial foi submetida ao juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, sendo requerido não a atribuição de uma penalização diferente, mas a anulação do decreto do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O documento nunca obteve qualquer resposta ou reacção por parte do tribunal.[57]
Como último recurso, a 2 de Abril de 1941 Aristides de Sousa Mendes enviou uma carta a Salazar, alegando estar na penúria, com o seu salário de cônsul de primeira classe reduzido a seiscentos escudos, com os quais tinha de sustentar a mulher e catorze filhos, referindo o impacto positivo que a presença dos refugiados em Portugal e a cordialidade e afeição com que foram tratados, haviam sido objecto de muitos elogios ao país, tanto interna como externamente. Apelou ainda ao espírito cristão de Salazar e aos seus trinta anos de serviço, e por fim pediu ao ditador que não lhe arruinasse a família. Nada disto foi capaz de demover Salazar, que só voltou a contactar formalmente a família dois dias após a morte de Aristides, a 3 de Abril de 1954, quando enviou um lacónico cartão de visita à família com uma única palavra: "Condolências".[58]
Embora alguns biógrafos de Sousa Mendes afirmem que o vencimento auferido por este após o seu afastamento da carreira consular seria o correspondente a um meio salário da sua categoria,[57][59] a sentença final do seu processo disciplinar, apenas refere essa redução de vencimento no ano de inactividade imediato,[56] no decurso do qual Aristides afirma em carta a Salazar estar com o seu salário reduzido a 600 escudos.[58] Tudo indica que, após o término desse ano de inactividade, tenha continuado a receber o vencimento completo correspondente à sua categoria de Cônsul de Primeira Classe, já que por carta enviada por Sousa Mendes à Ordem dos Advogados a 25 de Abril de 1946 se verifica que nesse ano o seu salário seria de 1593$30 escudos mensais, quantia que, nas palavras de Rui Afonso, um dos seus biógrafos, não sendo uma soma principesca, ainda assim correspondia ao triplo do salário de um escriturário ou professor.[59] Isto mesmo é igualmente confirmado pelo Embaixador Carlos Fernandes, que analisou o processo de Sousa Mendes ao tempo em que exerceu o cargo de director dos Serviços Jurídicos e de Tratados do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em carta dirigida a Maria Barroso Soares, então presidente da Fundação Aristides de Sousa Mendes, datada de 5 de Abril de 2004 e publicada n'"O Diabo" de 3 de Abril de 2007. Carlos Fernandes afirma ainda que a situação de Sousa Mendes, aguardando aposentação sem que esta jamais tenha chegado, foi-lhe mais favorável financeiramente que se tivesse sido aposentado, acrescentando ainda que "se morreu na miséria, ou pelo menos com grandes dificuldades financeiras, isso deve-se a outros factores que não à não recepção do seu vencimento mensal em Lisboa", apontando como exemplo desses factores a sua extensa prole, legítima e ilegítima.[nota 19][60]
Últimos anos[editar | editar código-fonte]
Mais tarde, passados alguns anos, já em 1945, só quando já era conhecido o horror do Holocausto Nazi (os contornos só vieram a ser conhecidos em 1944), Aristides decide escrever à Assembleia Nacional invocando que nos termos da constituição não poderia ter sido obrigado a discriminar judeus, transformando a sua actuação numa acção de salvamento de judeus. No mesmo requerimento Aristides explica que "Não alegou na resposta que deu no mesmo processo disciplinar estas circunstâncias, pelo motivo de, lavrando a guerra na Europa, não querer dar publicidade e relevo a uma atitude, por parte de funcionários do Estado, que sobre ser inconstitucional poderia ser interpretada como colaboração na obra de perseguição do governo de Hitler contra os judeus, o que representaria uma quebra da neutralidade adoptada pelo governo".
Em 1948 morre a sua mulher Angelina e Aristides casa-se com a sua amante de longa data, Andrée Cibial. A sua filha Marie-Rose continua a viver em França, onde é criada e educada por uns tios.
Não tardou muito a que Andrée entrasse em confronto com os filhos de Aristides e o casal decide então mudar-se a Casa do Passal, a mansão de Aristides em Cabanas do Viriato. Já instalada no Passal, Andrée cedo começa a violar a privacidade da família, a forçar fechaduras e a destruir correspondência. Para suportar uma vida de gastos Andrée também começa a vender os móveis de Aristides.[61]
O confronto com a família adensa-se e os filhos de Aristides deixam de o ir visitar. Separados do pai, os filhos, que tinham sido educados no estrangeiro e tinham poucas raízes em Portugal, acabam por emigrar. João Paulo emigra para a Califórnia juntando-se a outros irmão que já lá estavam. Pedro Nuno emigra para o Congo Belga. Geraldo para Angola e Clotilde para Moçambique.[62]
Também os seus irmãos César e João Paulo reagem com violência à vida de gastos de Andrée e à lapidação do património familiar. Mas Aristides mantém-se intransigente na defesa de Andrée.[63]
Aristides morre só. Em 1954. Com um terço de um salário penhorado, em virtude de uma ordem do tribunal, consequência de um processo por dívidas que lhe é movido pelos seus credores. O jornalista do Le Monde, biógrafo e admirador de Aristides, explica que Aristides nunca foi bom a gerir orçamentos e que, a sua personalidade aristocrática, considerava repugnante o mero acto de ter que controlar contas.[64] Ao longo da sua vida foi o seu irmão César que lhe emprestou dinheiro para suprir os descontrolos financeiros de Aristides. Também explica Fralon, que a amante de Aristides era muito perdulária e que terá sido esta a causa de Aristides ter morrido com dificuldades financeiras.[19] O povo de Cabanas de Viriato nunca gostou de Andrée e considerou-a sempre a culpada das desgraças de Aristides.[65][66]
Aristides veio a morrer endividado e só, acompanhado apenas por uma sobrinha, no hospital particular da Ordem Terceira de São Francisco da Cidade, na época um dos melhores hospitais de Lisboa e que ainda hoje existe no Chiado em Lisboa.[67]
Reconhecimento[editar | editar código-fonte]
Em Agosto de 1940 a escritora Gisèle Quittner Allatini escreveu para Aristides de Sousa Mendes agradecendo a ajuda recebida em Bordéus: “Faço questão de lhe
Sem comentários:
Enviar um comentário