domingo, 24 de julho de 2016

In www.publico.pt_____Erdogan contra os Professores...


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ANÁLISE
Turquia: a “revolução” começa na escola?


JORGE ALMEIDA FERNANDES

24/07/2016 - 08:12


A “erradicação” dos gulenistas é a justificação da grande purga. Um apoiante do AKP compara esta caça às bruxas com “a caça aos trotskistas nos tempos de Estaline”.




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Recep Tayyip Erdogan


Até onde quer e pode ir Tayyip Erdogan? Um dos mais significativos sinais enviados pelo contragolpe não diz respeito à depuração de militares, polícias ou serviços secretos, mas ao sistema de ensino. A depuração maciça de professores e reitores assinalará a vontade de transformar o Estado e a própria sociedade? Para lá de eliminar adversários e concentrar o poder Erdogan parece ambicionar muito mais. Pretende reconstruir o país "de cima para baixo" e inaugurar uma "nova república"? No relativo à escola, o desígnio seria "formatar" cultural e ideologicamente as novas e futuras gerações.

No dia 19, foram suspensos ou demitidos 15.200 professores do sector público e 21.000 do privado. O YOK (Conselho do Ensino Superior) pediu também aos 1500 reitores (1.100 nas universidades públicas e 400 nas privadas) que apresentassem a demissão. O YOK, criado depois do golpe militar de 1980 para controlar o ensino, tem uma influência decisiva tanto nas nomeações dos reitores como na elaboração dos currículos e na definição dos campos de investigação. Vai lançar uma "revolução ideológica"?

É bom ter a História presente. Kemal Atatürk iniciou a construção do moderno Estado turco a partir da justiça e da escola. A depuração da justiça começou há mais de um ano e culmina agora com milhares de juízes e procuradores saneados. E, pela primeira vez na história da República, foram presos magistrados do Conselho de Estado, do Supremo Tribunal e do Tribunal Constitucional.
O enigma "FETÖ"

Muitos enigmas permanecem sobre o golpe de 15 de Julho. Em contrapartida, torna-se dia a dia mais inquietante o desígnio do contragolpe. A maioria das informações que correm sobre o golpe, seus autores e suas motivações vem de fontes que falam sob anonimato e geralmente exprimem uma "narrativa oficial".

É intrigante o grau de envolvimento de membros do movimento de Fetullah Gülen, Hizmet (Serviço), aliado do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, de Erdogan) até ao conflito frontal em 2013, a pretexto da corrupção. Foi designado como "Estado paralelo", referindo a sua presença – "infiltração" — no aparelho de Estado. Agora, o Hizmet tem direito a outra designação: "Organização Terrorista Fethullista (FETÖ)". O que resta da imprensa independente adoptou obedientemente esta designação.

Sempre foi público que os gulenistas ocupavam importantes posições na justiça ou na polícia, tendo uma presença secundária nas Forças Armadas, já que os militares faziam nas academias uma triagem rigorosa de todos os suspeitos de ligações com o Hizmet. Até ao dia 21, foram presos 124 generais e almirantes. Serão do Hizmet?

A "erradicação" dos gulenistas é a principal justificação da grande purga. As "listas" estavam feitas há muito tempo. Nas instituições reina a "ferocidade". O Financial Times cita um apoiante do AKP que compara esta caça às bruxas com "a caça aos trotskistas no tempo de Estaline".

É aconselhável não pôr as mãos no fogo por ninguém sem mais informação. Mas importa dizer que o movimento Gülen não era apenas um obstáculo à vontade de poder total de Erdogan. É também, ou sobretudo, um rival ideológico dentro do islão. Condena o "islão político" e defende a separação rigorosa entre Estado e religião. Gülen criticou a deriva autoritária de Erdogan e a sua noção de "democracia eleitoral": quem vence eleições não tem contas a prestar.

Até 20 de Julho foram suspensos ou presos dezenas de milhares de funcionários. Anota Jean Marcou, fundador e ex-director do Observatório da Vida Política Turca (OVIPOT, Istambul): "Se estas pessoas são acusadas de terem ou terem tido ligações com o movimento Gülen, damo-nos conta de que a sua implicação no golpe é muito relativa ou até inexistente."

W. Robert Pearson, antigo embaixador americano em Ancara, expôs as suas dúvidas no Politico Magazine. "Se a acusação contra Gülen é verdadeira, tudo bem. Se não é verdadeira, de duas uma: a acusação revelaria então fraqueza do governo; quer saiba que a acusação é falsa e a usa para manipular a opinião pública; quer acredite que é verdadeira e significando a recusa de encarar o tsunami de descontentamento que pode ter influenciado a tentativa [de golpe]."

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