sexta-feira, 3 de março de 2017

SOBRE A COMUNIDADE DE TAIZÉ


Uma pequena fraternidade provisória nos subúrbios de Lyon


No Outono de 2016, dois irmãos e dois jovens voluntários em Taizé viveram durante algumas semanas em Givors, nos subúrbios de Lyon. No final da sua estada, os irmãos animaram uma oração com os cânticos de Taizé pela ocasião da Festa das Luzes, na presença do Cardeal Barbarin, Arcebispo de Lyon e do irmão Alois.

Os dois voluntários partilham a sua experiência em Givors.

Marnix (Países Baixos)

Antes de irmos, eu estava curioso sobre como seria. Conhecia bem a vida em Taizé, a viver em comunidade com outros voluntários, mas isto seria diferente. Estávamos com uma ideia em mente: viver próximos das pessoas de Lyon e dos seus arredores. Além disso, a base do dia seriam as orações comunitárias, que eu nem podia imaginar: orações com apenas quatro pessoas! Mas eu ia com coração aberto, olhos abertos, ouvidos abertos e um espírito aberto.
Fomos acolhidos em Givors pelo padre, com uma refeição alegre e generosa. As boas-vindas continuaram naquele dia e na semana seguinte, na forma de colchões mais do que suficientes, algumas mesas e vários frascos de compota: as pessoas da paróquia estavam felizes por estarmos lá. Naquela mesma noite seguiu-se a primeira oração na igreja fria, mas bela, mesmo ao lado da nossa porta: o tom estava estabelecido. Todos os dias haveria uma oração pela manhã e à noite e, quando possível, também por volta da hora do almoço. De manhã, quase todos os dias, algumas pessoas juntaram-se a nós. Estavam agradecidas pela nossa simples presença. Que criou algo.
Conhecemos essa gratidão e alegria simples da vida em todos os lugares que visitámos. Fomos a alguns lugares todas as semanas: «Secours Catholique» em Givors e «Habitat & Humanisme» em Lyon. Estes foram os que formaram mais a minha experiência e aprendi muito com isto. Apercebi-me que uma simples presença é muito mais importante do que fazer muitas coisas (se bem que também é bom arregaçar as mangas e ajudar!) Isto é especialmente verdade em lugares como estes, onde estávamos com pessoas pobres e sozinhas - em Givors - e com requerentes de asilo que mal falam francês ou inglês - em Lyon. Não era preciso falarmos sobre as situações difíceis que as pessoas atravessaram, especialmente com os requerentes de asilo que têm que partilhar a sua história tantas vezes, mas em vez disto, procuravamos fazer algo juntos.
E a alegria pode estar lá, também numa situação tão miserável. É inspirador ver que os requerentes de asilo ao passarem por um processo longo não estão sentados na miséria, mas mantêm a sua alegria de viver. Eles estão gratos pelo que conseguem, por pouco que possa ser.

Patrick (Quénia)

Um jovem passa perto. Debaixo de seu casaco de trincheira, o seu peito e pescoço não cobertos estão expostos ao frio implacável e indiscriminado do pré-inverno. Esta é a situação para muitos dos jovens aqui. Eles conhecem a dureza da vida; guerra, fome, sede, calor, frio, vergonha... Sudão, Líbia, Mar Mediterrâneo, Itália, Calais e talvez outros destinos pelo meio, mas agora em Lyon. (…)

Em Givors, um homem idoso e solitário, triste, sente falta de alguém para falar e partilhar a vida. Está muito longe de casa. Não sei onde ele pensa que está. Os seus irmãos vivem perto, mas não se vêem muitas vezes. A sua mulher, de quem está separado, vive na Argélia. Com um orgulho de pai, fala do seu único filho que estuda engenharia na Argélia; mas não tem qualquer contato com ele.
Ele deve ter sido um crente nalgum momento. Talvez esse ponto se estenda até ao momento presente, mas ele parece muito longe do que traz a paz. A sua história é longa. Provavelmente começa na Argélia, ou tem muita referência a ela. Em seguida, para Nova York, França, Argélia e agora, França novamente. Ainda espera pela sua mulher e pelo filho. Tem esperança que o pequeno apartamento a que ele chama casa será suficiente para eles.
«Cada homem é livre de acreditar naquilo que escolhe», diz ele. Mas crença e escolha são realidades que parecem tão distantes dele, apesar da forte aderência na sua língua. Mas hoje ele não está sozinho, pois partilhámos uma refeição juntos, escutámos, falámos. Algo nele se revela. (...)

Tais são as imagens que encontramos nas avenidas da esperança, onde algumas pessoas dedicadas se envolvem para acompanhar os necessitados nas suas lutas diárias. Nelas, refugiados, imigrantes, sem-abrigo, idosos e todos os tipos de pessoas pobres encontram alegria e um lugar para chamar de lar. No calor do café e na doçura dos bolos, nestes lugares encontramos uma atitude correspondente, profundamente enraizada dentro dos seres daqueles que mantêm esses projetos em andamento. Graças ao «Secours Catholique, Habitat & Humanisme, Foyer Protestant, Petits frères des pauvres», entre outros, há esperança.
Em Givors, passámos a maior parte dos nossos dias abrindo e fechando os dias com orações. O sinal das portas abertas da Igreja para a oração diária, que de outra forma só abririam durante as missas funerárias, espera incitar um novo despertar interior entre os habitantes locais. A maioria da população aqui é muçulmana, com apenas alguns fiéis cristãos idosos que participam nas atividades da Igreja. É tentador ficar-se preocupado com o pensamento de como se parecerá a Igreja num futuro próximo, mas eu encontro encorajamento em viver no momento presente.
A interação com as denominações cristãs permitiu-nos encontrar a Igreja Evangélica e os fiéis Protestantes e Católicos. Foi encorajador, embora nalguns momentos iniciais passámos por uma interação não natural, que na sua maioria traduzia a pergunta não expressa: «Por que estão realmente aqui?» O ir ao encontro do outro e o gesto recíproco abriu, no entanto, um calor em que Cristo se tornou mais visível.
Os muçulmanos abriram os seus braços para nos receber. Uma visita à mesquita, que devo confessar, foi uma primeira vez para mim, foi apenas uma das avenidas para viver a comunhão como filhos de Deus. Numa experiência única, participámos numa partilha inter-religiosa numa Igreja Protestante. Isto viu cristãos de denominações Católica e Protestantes sentarem-se juntos com Muçulmanos e Judeus para partilhar sobre o tema da alimentação e do seu lugar nas nossas diferentes religiões.
Estes, sendo apenas alguns dos exemplos da vida em Lyon e periferia, representaram uma experiência pessoalmente enriquecedora para mim. Muito permanece ainda não dito, pois as palavras às vezes não são adequadas o suficiente para expressar o que o olho vê ou o coração esconde.

Última actualização: 20 de Fevereiro de 2017

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