segunda-feira, 18 de junho de 2018

Do nosso António Botto...

Andáva a Lua nos Céus

Andáva a lua nos céus 
Com o seu bando de estrellas. 

Na minha alcova, 
Ardiam vellas, 
Em candelabros de bronze. 

Pelo chão, em desalinho, 
Os velludos pareciam 
Ondas de sangue e ondas de vinho. 

Elle olhava-me scismado; 
E eu, 
Placidamente, fumava, 
Vendo a lua branca e núa 
Que pelos céus caminhava. 

Aproximou-se; e em delirio 
Procurou ávidamente, 
E ávidamente beijou 
A minha boca de cravo 
Que a beijar se recusou. 

Arrastou-me para Elle, 
E, encostado ao meu hombro, 
Fallou-me d'um pagem loiro 
Que morrêra de Saudade, 
Á beira-mar, a cantar... 

Olhei o céu! 
Agora, a lua, fugia, 
Entre nuvens que tornavam 
A linda noite sombría. 

Déram-se as bocas n'um beijo, 
- Um beijo nervoso e lento... 
O homem cede ao desejo 
Como a nuvem cede ao vento. 

Vinha longe a madrugada. 

Por fim, 
Largando esse corpo 
Que adormecêra cansado 
E que eu beijára loucamente 
Sem sentir, 
Bebia vinho, perdidamente, 
Bebia vinho... até cahir. 

António Botto, in 'Canções' ( Em Português do século passado)
// Consultar versos e eventuais rimas

Sem comentários:

Enviar um comentário