quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

SOBRE O EST. ISLÂMICO


As bombas podem ajudar a destruir o "califado" mas não vão travar o extremismo


SOFIA LORENA

31/12/2014 - 08:21


Os jihadistas que controlam grande parte do Leste da Síria e quase metade do Iraque vão perder território. Até podem já ter iniciado a sua autodestruição, mas enquanto houver tiranos no poder o seu discurso vai manter poder de atracção.O "califado" deverá começar a abrir muitas brechas, mas isso não significaque a vida dos iraquianos e dos sírios esteja prestes a mudar REUTERS




24







TÓPICOS

Médio Oriente
Iraque
Síria
Bashar al-Assad
Estado Islâmico


O autoproclamado Estado Islâmico não apareceu em 2014 e dificilmente irá desaparecer em 2015. Com raízes na Al-Qaeda e criado a partir de um grupo que nasceu no Iraque para combater a ocupação norte-americana e os xiitas que os Estados Unidos colocaram no poder depois de derrubarem Saddam Hussein, alimenta-se da ditadura de Bashar al-Assad e da tirania dos que têm liderado o Iraque.

De Estados Islâmico no Iraque passou a Estado Islâmico no Iraque e no Levante (ISIS), querendo assim anunciar o seu projecto territorial — o termo Levante era usado pelos franceses para designar o Mediterrâneo Oriental e, para além da Síria histórica, que incluiu o Iraque e o Líbano, corresponde a uma mancha que alcança o Sul da Turquia, partes da Jordânia, Palestina, Israel e até de Chipre. Em Junho, passou a designar-se apenas por Estado Islâmico para acompanhar a sua declaração de um califado, a instituição que organizou a comunidade árabe muçulmana desde a morte de Maomé até que Ataturk decretou o seu fim.

Líderes muçulmanos das mais importantes mesquitas rejeitaram esta declaração, mas o objectivo simbólico estava cumprido. Foi graças à declaração de um estado que o grupo conseguiu continuar a atrair militantes — cada vez mais oriundos da Europa — aos quais oferece um modo de vida e um sentimento de pertença embrulhados na necessidade de combater a injustiça imposta aos muçulmanos por déspotas como Assad. "Muitos jovens que partem para se juntar aos jihadistas ainda não estão radicalizados, vão por estar cansados de ver as imagens de sírios chacinados", diz o académico Álvaro de Vasconcelos.

O grupo que não é nem um estado nem islâmico não conta com grande apoio entre os muçulmanos: uma sondagem encomenda pelo think tankWashington Institute e realizada em Setembro concluiu que o ISIS é apoiado por 3% dos egípcios e 5% dos sauditas; entre os árabes sunitas do Líbano, o grupo chega ao 1% de apoiantes. Sondagens realizadas nos Emirados Árabes Unidos ou no Kuwait tiveram resultados semelhantes. Entre os que apoiam os extremistas poucos o fazem por razões religiosas, antes por verem neles uma opção política à realidade que conhecem.

No terreno, os jihadistas liderados por um iraquiano, Abu Baqr al-Baghdadi, têm sofrido perdas militares e enfrentam divisões internas. Terão exagerado nas suas ambições. Conquistaram demasiado território demasiado depressa e agora penam para o manter. Afinal, o grande feito do Daesh (o nome árabe, que sírios e iraquianos continuam a usar), que nunca ultrapassou os 30 a 35 mil combatentes, foi ter sido descrito pela Administração de Barack Obama como uma organização "apocalíptica", que "vai mais longe do que tudo o que já tenhamos visto".

Como vários académicos sírios anteciparam, os Estados Unidos só decidiram intervir militarmente na Síria quando sentiram que a sua segurança estava em causa. Foi preciso que os radicais executassem um jornalista norte-americano, James Foley, em Agosto, para Barack Obama decidir agir contra a ameaça que os sírios e os iraquianos sofriam há muito no seu quotidiano.

As execuções de Foley e do jornalista norte-americano Steven Sotloff, mais as dos trabalhadores humanitários britânicos Alan Henning e Davis Haines, e do também norte-americano Peter Kassig, um ex-soldado que formara uma ONG para ajudar os sírios, levaram Obama a construir uma coligação improvável, com a participação de europeus e árabes e que não desdenha o apoio do Irão.

Inimigo comum
As bombas desta coligação impediram que os radicais tomassem Kobani, a cidade curda síria junto à fronteira turca. No Iraque, milícias xiitas vieram do Sul (a juntar às que o ex-primeiro-ministro Nouri al-Maliki criara para defender Bagdad) e agora lutam ao lado de tribos sunitas e de combatentes curdos para recuperar as zonas que os radicais tomaram quase sem resistência nos últimos oito meses. Os norte-americanos regressaram para treinar e aconselhar as forças iraquianas, outros países na NATO, incluindo Portugal, enviarão em breve militares com o mesmo objectivo.

Como na Síria, onde alguns grupos de nacionalistas seculares começaram por se unir aos jihadistas para combater Assad, antes de se revoltarem contra a sua barbárie, assiste-se agora na região a uma improvável união de forças. "Toda a gente está a ajudar o Iraque nesta batalha, imagine-se os americanos e os iranianos juntos", diz o iraquiano Abu Mohammed numa conversa com Ali Hashem, colunista do site regional Al-Monitor. Abu Mohammed tornou-se combatente, como muitos homens da província de Saladino, a norte de Bagdad. "Dizem-me que eles estão todos aqui na base — os iranianos, os americanos e o nosso Exército, mas que trabalham sozinho
s."

Sem comentários:

Enviar um comentário