"As minhas palavras têm memórias ____________das palavras com que me penso, e é sempre tenso _________o momento do mistério inquietante de me escrever"
segunda-feira, 29 de dezembro de 2014
Políticos...
A caneta ainda é a arma dos políticos
NUNO RIBEIRO
28/12/2014 - 09:07
Os acordos entre partidos que consagraram alianças foram subscritos com discretas esferográficas. Na adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia, Mário Soares e Rui Machete usaram modelos Parker. Marca que também esteve presente, pela mão de Ramalho Eanes, no diploma que empossou o primeiro Governo saído de eleições.
A assinatura do Tratado de Adesão à então Comunidade Económica Europeia, no Mosteiro dos Jerónimos, a 12 de Junho de 1985, terá sido firmada, tanto por Mário Soares como por Rui Machete, com uma caneta Parker.
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No tempo em que não existia a assinatura electrónica, quando o computador suscitava mais desconfiança que desembaraço e a máquina de escrever era preterida pelo ruído das suas teclas, foi o utensílio, por excelência, da comunicação do pensamento. Mas a revolução tecnológica não lhe retirou o protagonismo de sempre. Até na política. A caneta ainda é a arma dos políticos portugueses.
Na memória subsiste uma imagem única. Em 16 de Maio de 1974, três semanas depois da Revolução dos Cravos, na tomada de posse do I Governo provisório liderado por Adelino da Palma Carlos, um ministro assinou o seu compromisso com esferográfica: uma BIC cristal. Era Francisco Pereira de Moura, ministro sem pasta pelo MDP/CDE. Com igual estatuto e em representação do PSD e PCP, estavam naquele gabinete Francisco Sá Carneiro e Álvaro Cunhal.
Não sabia Pereira de Moura, professor catedrático de Finanças, que, 40 anos depois, o utensílio mais comum para a escrita dos políticos é a sua esferográfica. Em várias reinterpretações, mais ou menos elaboradas. De marcas nacionais ou estrangeiras. De design ou meramente utilitárias.
Homem da esquerda, Francisco Pereira de Moura tomou posse pela primeira vez – seria ministro sem pasta e dos Assuntos Sociais dos IV e V governos provisórios, ambos liderados por Vasco Gonçalves – sem gravata. Esta pequena história, de que a História é feita, não foi simples. Obrigou a uma intervenção de Mário Soares junto do General António de Spínola, explicando a modernidade do colle roullé de cor branca – camisola de gola alta -, que vestiu Pereira de Moura na cerimónia. Quando hoje, punhos desapertados e camisas abertas são sinónimos de in, ou seja, de actualidade. Estão em voga com o look da distinção.
Soares convenceu Spínola com o recurso ao galicismo estrangeirado de colle roullé. O que evitou uma crise política na sequência de um problema de indumentária. E a foto de 16 de Maio de 1974, no Palácio de Belém, consagrou Francisco Pereira de Moura como um vanguardista. Aliás, com o mesmo destaque inovador que introduziu no utensílio da escrita. E que, dos extremos da paleta política ao centro das bancadas, tem seguidores da invenção do húngaro László Biró, um tipógrafo que em 1932 criou uma caneta que não borrava e cuja tinta não secava no depósito - os pesadelos dos utilizadores da tinta permanente e do seu cortejo de acessórios, como o agora desconhecido mata-borrão. Portanto é a Biró, ao seu irmão Georg, um químico, e ao técnico industrial Imre Gellért, que se deve a esferográfica. Que, pela produção em série e facilidade de utilização, democratizou a escrita.
Não foi pelo propósito do conceito político de democratizar que a Futura, de escrita azul, se tornou numa espécie de caneta oficial do CDS. Diogo Freitas do Amaral, o primeiro presidente do partido, confidenciou ao PÚBLICO que, ainda antes do 25 de Abril de 1974, por comodidade e abundante escrita – o que tornava incómodo o cerimonial de enchimento da tinta na caneta permanente – se rendeu a esta espécie de “prêt-à-porter”, de usar e tirar fora.
Um hábito que, num partido conservador, se transformou em moda. “As canetas Futura foram de facto levadas para o CDS pelo professor Freitas do Amaral – que, aliás, recordo-me de ter uma letra admirável”, corrobora Paulo Portas. “Continuo a usar a Futura azul como caneta de trabalho, tem uma impressão firme e é de escrita limpa. É a que uso para escrever muitos dos meus discursos”, destaca o vice-primeiro-ministro.
Assim, foi com Futura centrista e esferográfica de Francisco Sá Carneiro, do PPD/PSD, que foi assinada a constituição da Aliança Democrática, em 1979. E também foi com utensílios sem problemas de borrar a tinta que a formação da actual maioria que nos governa ficou consagrada em papel, em Junho de 2011. Pedro Passos Coelho tem sido visto na posse de exemplares da Uni-Ball, uma produção da Mitsubishi japonesa.
Influência da arquitectura
Foi ainda com Futura que Freitas do Amaral assinou os dois pactos MFA/Partidos – 11 de Abril de 1975 e 26 de Fevereiro de 1976 – e o acordo de aliança com o PS, em 1978. Na subscrição deste último, que levou a uma solução governativa única – cuja repetição tem pairado caso ocorra o desmembramento da actual maioria e uma vitória insuficiente dos socialistas – não foi possível descortinar qual o utensílio a que recorreu Mário Soares.
O antigo Presidente da República, garantiram seus ex-colaboradores, passou da tinta permanente para a caneta de feltro de tinta azul. Pela comodidade, evitar carregar e voltar a carregar, pois Soares escreve tudo à mão.POL
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