sábado, 27 de dezembro de 2014

Artigo de Pacheco Pereira, in "Público"!








OPINIÃO
Prefere cair por um precipício ou afundar-se em areias movediças?


JOSÉ PACHECO PEREIRA

27/12/2014 - 05:45


Com ideias simplistas e erradas, e toneladas de pseudo-ideologia no lugar da ignorância, vamos pagar muito caro, estamos a pagar muito caro.




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Conjuntura
economia, negócios e finanças


A bancarrota de Sócrates, que existiu mesmo, with a little help from my friend Passos Coelho, foi o equivalente a deitar Portugal por uma ravina abaixo, o “ajustamento” de Passos é o equivalente a atirar Portugal para um pântano de areias movediças. Os dois são momentos complementares da mesma crise social, cultural, económica e política que assola o país desde 2008, e que é, em parte, um reflexo de uma crise europeia mais vasta. Em parte, mas não só.

Há componentes nacionais que nos caíram em má sorte, e que têm a ver com uma conjugação muito especial de incompetência, ideias erradas, superstições e dolo. No dia em que se fizer uma verdadeira história destes últimos seis anos, só colocar o que cada um dos protagonistas pensava, disse ou fez numa sequência cronológica correcta mostrará como se foram destruindo todas as oportunidades, afunilando o caminho e tentando secar com zelo todas as alternativas. O problema é que essa tarefa de criar o deserto à volta teve eficácia, porque a política da terra queimada tem efeitos destrutivos e diminui de facto as opções dos que a ela sobrevivem.

Tenho insistido nesta questão da cronologia rigorosa, até porque ela nos ensina muitas coisas sobre como é que evoluiu o processo nestes seis anos de lixo e, por isso, altera a nossa percepção sobre as relações de causa e efeito. Não é uma tarefa que possa ser feita apenas puxando pela memória, porque a poluição do que aconteceu por interpretações políticas a posteriori é grande. Mas, se colocarmos toda uma série de perguntas e formos atrás ver as respostas, ficamos muitas vezes surpreendidos pela capacidade que tem o discurso do poder, em conjunto com a perda de memória que os mediatrazem à sociedade, para “moldar” o passado às conveniências do presente.

Quando é que a crise financeira dos activos tóxicos e do Lehman Brothers se tornou numa crise das dívidas soberanas? E porquê? Que papel teve a decisão puramente política da Alemanha, diante de uma Europa enfraquecida e tonta, na abertura da frente das dívidas soberanas, as mesmas que tinha ajudado a agravar com as decisões keynesianas da resposta inicial à crise financeira? Todo. Podia não ter havido crise das dívidas soberanas, mesmo com as dívidas em crise profunda. A crise das dívidas soberanas foi uma opção política alemã e teve um papel fundamental em “soltar” a Alemanha do directório com a França e deixá-la isolada no mando da Europa. A crise económica, de 2008 em diante, foi um instrumento fundamental no plano político para acabar com a União Europeia como a conhecíamos e dar origem a uma “união” de hegemonia alemã.

Que papel teve a chanceler alemã em apontar a Grécia como “culpada”, abrindo caminho para a categoria maldita dos PIG, e colocando-se no centro de uma política claramente punitiva que, entre outras coisas, destruiu o pouco que sobrava da política de coesão, a favor de uma projecção europeia das políticas do Bundesbank? Todo. Há quanto tempo se sabia que as contas gregas eram falsificadas e que a entrada do dracma no euro tinha sido prematura? Só em 2011? Deixem-me rir.

Quando é que Portugal passou a PIG e deixou de ter a protecção alemã para as suas dificuldades económicas? Depois do chumbo do PEC IV e não antes. Aliás, o PEC IV foi um plano alemão de austeridade negociado com o Governo Sócrates e o seu chumbo provocou a ira de Merkel, cuja primeira intervenção depois da queda do plano na Assembleia foi uma bofetada pública furiosa em Passos Coelho. Portugal entrou então na categoria dos PIG e muito do que hoje a propaganda do PSD e do CDS diz sobre como Portugal estava nas ruas da amargura do prestígio europeu refere-se ao pós-PEC IV e não antes. A crise dos juros acompanhou este processo de crise governativa, com a queda do Governo Sócrates e a preparação do memorando em simultâneo.

Como é que foi possível ao PS e ao PSD terem aprovado o memorando de entendimento em Maio de 2011 e fazerem as promessas eleitorais que fizeram nas eleições de Junho? Sim, porque o memorando é anterior às eleições e não posterior. E se o PSD sabia muito bem o que tinha assinado em Maio, como é que não o “compreendeu” em Junho de forma a evitar as promessas taxativas que fez em campanha eleitoral? Mais: como é que, se projectarmos para trás, o que hoje PSD e CDS dizem da bancarrota de 2011 e do significado do memorando foi possível conduzir umas eleições pós-memorando com aquela linguagem? Mais: como foi possível anunciar, também à luz do discurso dos dias de hoje, como medida única de austeridade, o corte “apenas naquele ano” de metade do subsídio de Natal, a medida que bastava? E onde estão os resultados das múltiplas promessas, algumas já vindas dos governos Sócrates, feitas para “adoçar” o corte, o chamado Programa de Emergência Social, que implicava um programa nacional de microcrédito, um mercado social de arrendamento, um programa nacional de literacia financeira, o reforço de escolas em bairros problemáticos, um banco de medicamentos e um banco farmacêutico, os tele-alarmes, um programa Rampa, o descanso do cuidador, um banco ideias, etc., etc., etc., etc.? Se nestes anos coleccionarmos os títulos pomposos de programas sobre programas, anunciados com espavento e depois os espremermos, quase nada sobra.

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