quinta-feira, 25 de março de 2021

Texto de Luís Osório sobre o distinto Professor Galopim de Carvalho(90 anos)

 POSTAL DO DIA

O último combate da vida de Galopim de Carvalho
1.
Em 1996, numa pedreira desativada perto de Sintra, foi descoberta uma jazida de pegadas de dinossauros. Abriram-se noticiários televisivos, fizeram-se primeiras páginas e um cientista empenhou-se para que a jazida fosse recuperada.
O cientista chama-se António Galopim de Carvalho. O país acompanhou-o nessa luta e no amor pelas coisas do passado, pela preservação da memória, pelo estudo do que existia antes de nós existirmos, pela descoberta dos dinossáurios que eu, lamentavelmente, continuo a chamar dinossauros.
2.
Galopim de Carvalho a quase todos convenceu.
A sua paixão não podia deixar lugar a dúvidas. Tinha de se fazer e fez-se.
A esta jazida deu-se o nome de Monumento Nacional de Carenque. Uma extensão de mais de cem metros com pegadas com cerca de 90 milhões de anos.
Milhares de crianças deixaram-se seduzir pela ciência a partir do exemplo daquele cientista romântico, uma espécie de Indiana Jones dos dinossauros, um investigador que era um avô de olhos vivos, um avô que insistia em manter os olhos cobertos de perguntas e inquietação.
3.
Passaram os anos.
E por um motivo ou por outro nunca se investiu em Carenque.
Por um motivo ou por outro a jazida foi deixada ao abandono.
As pegadas foram abandonadas ao seu destino milenar. E uma lixeira a céu aberto ocupou o lugar onde Galopim de Carvalho sonhou ver crianças acompanhadas pelos pais. Um depósito de lixo onde as ervas daninhas e vegetação selvagem crescem sem qualquer travão destruindo a lage onde as pegadas fazem por resistir.
Entre Queluz e Belas, numa zona de ermos e abandono, o que foi descoberto há mais de vinte anos continua por descobrir.
4.
António Galopim de Carvalho está quase a fazer 90 anos.
Disse-me…
Luís, esta é a última batalha da minha vida.
Aconteça o que acontecer irei lutar até ao último dia.
António Galopim de Carvalho, velho cientista com olhos de miúdo, figura maior da geologia portuguesa, não se conforma. Se lhe dessem a escolher entre morrer amanhã com a certeza de que Carenque seria preservado ou viver mais dez anos com a resposta de que nada poderá ser feito, a resposta dele seria a que imagina.
Há pessoas assim.
Pessoas maiores do que a maioria de nós.
Gente que dá o que tem pela certeza de que aquilo que faz é o melhor para a comunidade.
E para a ciência.
E para o país e o seu turismo.
Caro Professor, não desista.
Estamos aqui e somos o seu escudo.
LO
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