quarta-feira, 29 de outubro de 2014

A República dos impunes

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Em países mais atrasados que o nosso, os responsáveis por delapidar a economia são responsabilizados; aqui dão-se-lhes doutoramentos honoris causa


Há poucos dias o primeiro-ministro acusou comentadores e jornalistas de serem "preguiçosos" por dizerem que a situação em Portugal estava pior que em 2011. É certo que não se conhece nenhum prodígio de produtividade a Passos Coelho, tirando a acumulação dos cargos políticos com o trabalho na Tecnoforma, mas os argumentos devem ser avaliados pelo que são e não pelos telhados de vidro de quem os emite.

É necessário analisar a nossa situação de uma forma séria, e para isso nada melhor que avaliarmos uma série de sectores para vermos se a nossa situação melhorou: devemos menos ao estrangeiro? Temos mais gente a trabalhar? As pessoas têm rendimentos mais elevados? O Serviço Nacional de Saúde funciona melhor? A justiça funciona com menos atrasos? O ano lectivo começa como deve ser, no dia marcado com as aulas e com professores? O sistema financeiro é seguro e os bancos não estão à beira da falência? A sociedade portuguesa é mais justa? A diferença entre muito ricos e muito pobres é menor? Os responsáveis pela falência do BPN, do BPP e do Grupo Espírito Santo foram devidamente investigados, assim como os autores das ruinosas parcerias público-privadas? A maioria das empresas em sectores estratégicos não foram vendidas por tuta-e-meia? A distribuição de rendimentos entre capital e trabalho é mais justa? Os impostos não subiram desmesuradamente? As reformas das pessoas que trabalharam a vida toda não foram cortadas? Somos hoje um país mais democrático e independente?

Temo que tirando os juros do dinheiro que pedimos emprestado, que dependem sobretudo das garantias do BCE, todas as respostas a estas questões sejam negativas.

O plano da troika não teve resultado nenhum para além de ter permitido que os bancos alemães e franceses se livrassem de dívida portuguesa. O empobrecimento generalizado da maioria da população, a chamada "desvalorização interna", para conseguir fazer à bruta aquilo que normalmente se faz de uma forma mais equilibrada com a desvalorização da moeda, não alterou a estrutura e a competitividade da nossa economia.

Aliás, é mesmo difícil garantir que a situação de descalabro dos banqueiros que andaram a viver acima das suas possibilidades e à nossa custa, não possa implicar um novo pedido de ajuda internacional. O BES está mal. O BCP não se recomenda e mesmo o Montepio e a Caixa Geral de Depósitos estão expostas ao buraco do Espírito Santo.

A solução habitual dos últimos 40 anos tem sido não fazer nada. Voltar a eleger os partidos que contribuíram, à vez, para o descalabro em que o país caiu. O mais radical que se conseguiu arranjar foi dar aos protagonistas do desastre um qualquer doutoramento honoris causa.

Se queremos sair deste buraco e impedir que esta situação continue, talvez fosse interessante perceber que o estado a que isto chegou não depende da mudança de protagonistas, mas da ruptura completa com um sistema que promove o amiguismo e o compadrio. Precisamos de uma ruptura democrática e popular que devolva o poder à sociedade.

Editor-executivo

Escreve à terça-feira

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