A Consciência da Infância Só Existe na Velhice
A consciência da infância só existe na velhice, e é uma consciência de revisitação, de mitificação, não da factualidade. Todas aquelas histórias são mitificadas. Em princípio, as crianças são um pouco imunes ao tédio, que é a paisagem dominante da velhice. Mas é o tédio que nos permite pensar nessas coisas. Há muitos anos, vi na televisão uma entrevista com a filha do Eça de Queiroz em que ela conta que um dia estava a olhar pela janela, em Paris, e disse ao pai: “Estou aborrecida”. E o Eça respondeu: “Aborrecida? Olha para as folhas das árvores”. Esta é a operação que a infância não consegue fazer de forma deliberada, porque a infância vê, não olha. Mas o velho, se quer sobreviver como criança, tem de olhar. E quando o velho procura olhar para o mundo com os olhos que tinha em criança, todas as coisas começam a falar.
Mário Cláudio, in 'Jornal Público, 16 Out 2015'
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