LITERATURA PORTUGUESA
FERNANDO PESSOA (FP) - (1888-1935): “MENSAGEM”
Diz Eduardo Lourenço: ”Custa-me imaginar que alguém possa, um dia, falar melhor de Fernando Pessoa que ele mesmo. Pela simples razão de que foi Pessoa quem descobriu o modo de falar de si, tomando-se sempre por um outro. E como os deuses lhe concederam um olhar imparcial como a neve, o retrato que nos devolve do fundo do seu próprio espelho brilha no escuro, como uma lâmina.”
É preciso ter amor à obra pessoana para poder ir, por aí fora, e falar do poeta e do seu legado, com um mínimo de dignidade. É preciso, igualmente, ter a humildade de pegar neste legado "
com pinças” , tal o melindre que pode provocar em quem ler sobre ele, tudo quanto dele se disser. É com o maior respeito pelos grandes estudiosos deste POETA e da sua obra, que hoje, muito sucintamente, vou falar de alguns aspectos de “MENSAGEM”.
O movimento Modernista, dos princípios do século passado, pretendia romper com o passado das nossas Letras, sem pôr de parte as nossas riquezas literárias, criando uma poesia alucinada, chocante, irritante e irreverente (“IMPRESSÕES DO CREPÚSCULO”, do próprio FP), que chocasse o burguês estabelecido numa preguiça mental, da qual parecia não se mover.
A vida é um espanto! Era preciso que todos o sentissem com a força da POESIA!
Na sua vastíssima obra (da qual conhecemos “extractos!), FP demonstrou esta atitude de irreverência. Mais ainda: manifestou-o, criando, dentro de si, “outros” que o fizessem, como se ele só não bastasse e que foram pondo em prática a adesão ao movimento Modernista, de renovação das artes.
Chegamos, por fim, depois de ter passado por várias facetas poéticas de FP, ao tratamento da única obra literária publicada enquanto FP era vivo: “ MENSAGEM”.(1934)
Sobre a mesma, diz o próprio poeta: “ E a nossa grande Raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus construídas daquilo que são feitos os sonhos. E o seu verdadeiro e supremo destino, de que a obra dos navegadores foi o obscuro e carnal ante arremedo, realizar-se-á, divinamente.”in”Textos de Crítica e Intervenção”, LISBOA, ÁTICA, 1980.
“Mensagem” é composta por 44 poemas, de carácter nacionalista/ sebastianista e foi publicada em 1934. Os poemas foram agrupados pelo poeta, de modo a simbolizarem as três partes da vida de um ser: nascimento (BRASÃO), vida (MAR PORTUGUÊS) e morte (O ENCOBERTO). Em Brasão, colocou Pessoa os poemas respeitantes à formação de Portugal, como país independente (Século XII), os reis e heróis que protagonizaram esse Nascimento do país, enfim, o aparecer do reino de PORTUGAL.
A realização-vida de Portugal está ligada ao mar, às navegações e achamentos dos nossos navegadores, à expansão marítima; a esta parte correspondem os poemas do MAR, a realização do Sonho. A Norte e Oeste, tínhamos a ESPANHA…Só podíamos continuar na senda do engrandecimento do país, por mar, procurando o que acabámos por encontrar: novas terras, povos e culturas, riquezas inimagináveis, oceanos e continentes, fauna e flora desconhecidas e o “tal reino de fabulosas riquezas”, o Reino de Prestes João, que sabemos, hoje, ser a ÍNDIA, o tal “oriente a oriente do Oriente”;
A terceira parte de “Mensagem” –a Morte- dá-se com poemas de um ciclo sebastianista, intitulada “O Encoberto”, em que o poeta dá conta do desânimo que caracteriza a vida da Pátria, com os factos relacionados com a quadratura sócio-polítco-cultural do século XX, depois da guerra , do regicídio, etc, como já referi em artigos anteriores. E sebastianista, porquê? Precisamente porque estávamos à deriva, tal como ficámos quando, no século XVI, D. Sebastião deixou o país sem rei, sem nada, à mercê dos espanhóis!
A obra, imbuída de um espírito épico-lírico, surgiu em Pessoa por este considerar que estávamos “perdidos”, sem identidade nacional pelo que só restava a memória! Não é por acaso que lá temos um poema, como “NEVOEIRO”: “Nem rei nem lei…Ninguém sabe que
coisa quer…tudo é incerto e derradeiro…Tudo é disperso, nada é inteiro./ Ó Portugal, hoje és nevoeiro…”
FP acreditava no destino “messiânico” de Portugal e julgava o nosso povo capaz de recuperar uma imagem de grandeza, que perdera, no passado.
No poema “ULISSES”, da 1ª parte desta obra, diz o poeta:”O mito é o nada que é tudo…”, numa crença absoluta no rejuvenescimento da grandiosidade do país de Outrora. Como é sabido, CAMÕES tinha, em “Os Lusíadas”, cantado todas as grandezas de Portugal desde o seu nascimento até à viagem para a Índia, pela boca de Vasco da Gama e outros oportunos narradores. Cantou em modo épico os heróis que deram a vida por um Portugal grandioso, os tais “…que da lei da morte se libertaram…”.
FP enaltece a nobreza desses actos exaltando a Epopeia, mas fá-lo com um “EU” que impregna os poemas de uma subjectividade mística de tal simbologia, que não podemos, como leitores, darmo-nos ao luxo de nos perdermos na aparente ingenuidade dos mesmos!
Diferente, por conseguinte, de CAMÕES, FP não canta os feitos gloriosos de um herói (o povo português) mas enaltece a heroicidade do ser humano (de per si), numa estética modernista,
através de uma espiritualização progressiva, que procura tirar partido do mito sebastianista.
Os heróis que “ falam” dos feitos que cometeram, fazem-no dizendo que foram sagrados por Deus, iniciados, digamos assim, com uma espada (GLÁDIO) sobre o ombro, para engrandecerem o nome de PORTUGAL. É o caso do poema “D. Fernando, Infante de Portugal”:
“ Deu-me Deus o seu gládio, por que (para que) eu faça
A sua santa guerra.”(…) Pôs-me as mãos sobre os ombros e doirou-me…”(…)
De igual modo, no poema “PADRÃO” , pela “voz” de DIOGO CÃO: “…Eu, Diogo Cão, naveguei…Que da obra ousada, é minha a parte feita…A alma é divina e a obra é imperfeita…o mar sem fim é português…”
É evidente o ocultismo na obra! .Tudo está sob uma aura de misticismo, no sentido de engrandecer a obra do povo português. E no poema ”O INFANTE”, diz-se: “ Deus quer, o homem sonha, a obra nasce…Quem te sagrou criou-te português…Senhor, falta cumprir-se PORTUGAL”.O Sonho…é ele que deve mover a força portuguesa a constituir um perfeito império espiritual, ligado pela Língua Portuguesa, que teria como finalidade a construção da Paz universal, o tal “QUINTO IMPÉRIO”, o levantamento de um super Portugal, já anteriormente vaticinado pelo Pe VIEIRA, assente na nossa língua e cultura, a unir o mundo, não a separá-lo!
E não esqueçamos Bernardo Soares, o semi-heterónimo de Pessoa, que afirmava: “ A minha Pátria é a Língua Portuguesa!” Para Pessoa , a missão dos portugueses não está cumprida e a conquista do poder dos oceanos não foi suficiente!” Cumpriu-se o mar , o Império se desfez! Senhor, falta cumprir-se Portugal!”
A primeira parte de “MENSAGEM”, intitulada ”BRASÃO” fala das realidades do Nascimento da PÁTRIA, dos heróis que a consolidaram, como tal, e descreve, no poema “O DOS CASTELOS” um Portugal situado na EUROPA como um ser humano, em que a Personificação é a figura mais relevante:”…românticos cabelos/ Olhos gregos lembrando…/ O cotovelo esquerdo recuado…/o direito em ângulo disposto…/a mão apoiando o rosto…/ O olhar esfíngico e fatal a olhar o Ocidente, futuro do passado…/ O rosto com que fita, é PORTUGAL! “…
Mas, no poema “ULISSES”, Pessoa admite que ISTO é um MITO! E diz, então, ”O mito é o nada que é tudo…Assim a lenda se escorre/ A entrar na realidade, /E a fecundá-la decorre/Em baixo, a vida metade de nada, morre.”/ Refere-se, este poema, à lenda da fundação da cidade de LISBOA, pelo mítico ULISSES, rei de TRÓIA, aquando das suas viagens por estas partes do MUNDO!
Lindo, lindo, no entanto, nesta primeira parte de “MENSAGEM” , é o poema D.DINIS, que me apaixona e que tenho a pretensão de considerar o mais belo! Dinis, rei-trovador- lavrador- plantador –de-naus-a-haver!” Na noite escreve um seu Cantar de Amigo/O plantador de naus a haver, /E ouve um silêncio murmuro consigo:/ É o rumor dos pinhais que, como um trigo/ De Império, ondulam sem se poder ver./…É a voz da terra ansiando pelo mar./”
Amigos: muito teria para vos dizer, com a paixão que este tema me suscita; não posso escrever mais, pois sei que as pessoas não gostam de ler textos grandes!
Aos alunos de PORTUGUÊS, peço que estejam atentos às aulas pois não esgotei o tema e, por conseguinte, isto não se dirige a vós; como podem ver, não estabeleci o paralelo nem os contrastes com a obra “Os LUSÍADAS”. Como esta matéria será parte importante dos próximos exames nacionais…atenção às aulas!
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