POSTAL DO DIA (Do jornalista Luís Osório)
Carta a Salvador Sobral
1.
Caro Salvador
Não nos conhecemos, mas tomo a liberdade de lhe escrever uma carta aberta.
Hesitei um pouco por, de alguma forma, respeitar esse seu jeito de ser, essa forma muito peculiar de colocar as coisas; uma aparente revolta contra o que está estabelecido, contra o que tem de ser, contra aquilo que os outros pensam que deveria ser o seu caminho.
2.
Hesitei, mas o Salvador tem-se multiplicado em entrevistas de promoção do seu terceiro álbum.
E nas várias conversas existe sempre um enfado no modo como fala da Eurovisão e do seu sucesso festivaleiro.
Uma chatice o que lhe aconteceu a seguir – publicidade que define como negativa.
Um enfado quando lhe pedem para cantar o “Amar pelos Dois” – soube por si que agora raramente toca esse tema nos seus espetáculos.
Uma agonia quando lhe pedem para regressar ao dia em que o mundo se comoveu com a sua voz mesmo não percebendo as palavras que dizia – difícil lidar com um mundo onde tudo se vende, até as emoções.
3.
Caro Salvador
Sou dos que se emocionaram com o modo como disse aquelas palavras.
Fui dos chorou com esse seu jeito de olhar, de se mexer – mesmo não saindo do mesmo lugar –, com aquelas notas tão fora das notas que sabem ao mesmo.
Eu e milhões de pessoas em toda a Europa.
Eu e muitos milhares de portugueses.
Eu e o Chico Buarque.
E o Caetano.
E tantos outros.
4.
Peço-lhe antecipadamente desculpa pela brutalidade do que lhe quero dizer a seguir, não o tome por uma crítica amoral, muito pelo contrário. Gosto de si e do que em si intuo. Reconheço o talento. Ninguém é como o Salvador.
Mas…
… antes do festival da canção ninguém o conhecia.
E se não tivesse existido aquele momento irrepetível dificilmente alguém reconheceria o seu talento.
O Salvador passou a ser uma figura.
Passou a existir e a usufruir desse reconhecimento.
Teve dezenas de espetáculos, gravou discos, deu entrevistas, ganhou dinheiro e melhorou a sua vida.
Não consigo compreender a razão de tanta zanga pelo momento que lhe ofereceu tudo isso.
E ainda consigo compreender menos a zanga com a canção que tanto nos emocionou.
Porque deixou de a tocar nos seus concertos?
Sentiu a necessidade de educar o público?
Desejou castigar-nos?
Acha que as pessoas não devem ter o que querem, mas apenas o que precisam?
5.
Salvador, meu caro.
Nós queremos ouvi-lo. Por favor, deixe de parecer ter o peso do mundo aos ombros e deixe de ser tão ingrato para os que, naquela noite de 2017, se comoveram genuinamente com a sua vitória, com a sua voz, com a sua sensibilidade.
Deixe-nos embarcar consigo sem termos de nos sentir culpados de ser ignorantes ou de não sabermos apreciar o que o Salvador considera ser a verdadeira música.
Por favor.
LO
2,8 milRogério Manuel Madeira Raimundo, Leonor Costa Rosa e 2,8 mil outras pessoas
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