ARTIGO da minha autoria
LITERATURA PORTUGUESA
CESÁRIO VERDE (1855-1886)
“…E que misterioso o fundo unânime das ruas, /
Das ruas ao cair da noite, ó CESÁRIO VERDE, ó MESTRE…/
ÁLVARO de CAMPOS (heterónimo de FERNANDO PESSOA)
“VERDE” de NOME… bem MADURO, por sinal…pois a sua poesia é das coisas mais lindas que se podem encontrar no Género Lírico, na poesia dos finais do Século XIX! E vejam como o próprio FERNANDO PESSOA se inclina, reverentemente, perante a grandiosidade da literatura de CESÁRIO VERDE (C.V):
“…E que misterioso o fundo unânime das ruas, /Das ruas ao cair da noite, Ó CESÁRIO VERDE, Ó MESTRE…!” (Heterónimo ÁLVARO DE CAMPOS).
Nasceu C.V. em LISBOA; seu pai, comerciante do ramo das ferragens, possuía uma quinta em LINDA-A – PASTORA que produzia tão bela fruta quanto saúde e paz com a Natureza, de que o poeta tanto precisava dado o cansaço que a capital nele causava. C.V ainda chegou a frequentar o Curso Superior de Letras, do qual cedo desistiu, mas onde conheceu o escritor Silva Pinto, que foi o amigo que publicou, depois da sua morte, as poesias deste génio lírico, num livro a que deu o nome de “Livro de CESÁRIO VERDE”.
Foi C.V. um poeta do período REALISTA/PARNASIANISTA, século XIX, que deixou o mundo tão cedo, que nos privou de tanta maravilhosa poesia quanto a que escreveu. E deu-nos o que o Supremo permitiu… A tuberculose era a doença da moda, neste período de intensa industrialização da nossa sociedade, e quase toda a sua família morreu, como ele, dessa terrível doença, num tempo em que ainda se não falava de antibióticos.
Na sua curta vida, não conseguiu o grande poeta ver publicados os seus poemas por nenhuma editora. Lamentava-se desse facto que o humilhava e fazia sofrer. Eis como a isso alude, no poema “CONTRARIEDADES”: “ (…) EU nunca dediquei poemas às fortunas… só a amigos ou a artistas. Independente! Só por isso os jornalistas/Me negam as colunas. / (…) Agora sinto-me eu cheio de raivas frias, /Por causa dum jornal me rejeitar, há dias, /Um folhetim de versos (…)”
A sua grande preocupação era passar, em verso, a realidade da vida do mundo que o circundava, errando, vagueando, pela cidade, em diferentes momentos do dia e da noite, contando, com o recurso ao visualismo e através de inúmeras SINESTESIAS, as misérias da vida citadina, os podres da civilização, a doença, o trabalho das classes desfavorecidas, a exploração de todos por muitos, neste tempo da expansão da industrialização na EUROPA e, mais particularmente, em PORTUGAL. É realista, porque descreve e narra, em verso, a realidade da vida da LISBOA do seu tempo; é parnasianista, pois como os poetas gregos do MONT/cidaddeE PARNASO (o monte dos poetas), se preocupava com a forma correcta de poetar, sem obedecer a regras, para que, deste modo, conseguisse abrir à poesia as portas da vida e nela permitir que entrassem os ruídos, os cheiros e a linguagem das ruas. O REALISMO de CESÁRIO VERDE reflecte, no entanto, um afastamento marcante do naturalismo e um desencanto com o próprio movimento realista, pois que ele pôs nos seus poemas todo o seu SENTIR, a sua subjectividade, o seu modo de viver os problemas. No poema “NÓS”, afirma:” (…) ao meu olhar/tudo tem um certo espírito secreto/ (…). O pronome possessivo “meu”confirma o subjectivismo, sempre que o encontrarmos nos seus poemas… Pode dizer-se que o Realismo está na narração, em verso, do que ele, realmente, observa, vê…
Os temas mais importantes da estética Cesariana são três, essencialmente: a dicotomia campo/cidade, a mulher, a realidade da vida dura do povo, bem como, por consequência, a crítica às injustiças sociais.
Apesar de o poeta adorar LISBOA, a cidade era, para ele, o símbolo do mal, da doença, da infelicidade, das injustiças, da exploração… Ao contrário, o campo representava a saúde, o bem, a vida sã, as virtudes, o paraíso da saúde, do viver simples e são. Ao lermos o poema “NUM BAIRRO MODERNO”, vemos como C.V. dramatiza a invasão simbólica da cidade pelo campo, através de uma pequena vendedeira de frutas e legumes que depõe a sua giga, “como um retalho de horta aglomerada”, numa escadaria de mármore de uma casa apalaçada. E o amor pelo campo contribui para que, numa atitude perfeitamente surrealista, ele “visse” os frutos e os legumes transformados “num ser humano”: “Eu descia/sem muita pressa, para o meu emprego, / (…) notei de costas uma rapariga pousar, ajoelhando, a sua giga…/(…)tamancos, …esguedelhada, feia(…)seus bracinhos brancos…/Subitamente que visão de artista!-/ Se eu transformasse os simples vegetais,/…Num ser humano que se mova e exista/Cheio de belas proporções carnais?!/…
A escrita de Cesário parte sempre das sensações para terminar em IMAGENS, proporcionando ao leitor a LEITURA-VISÃO da realidade observada, numa perfeita atitude de pintor impressionista! Ele próprio o reconhece quando diz: ”PINTO QUADROS COM LETRAS”. O uso de todos os sentidos da condição humana, está de tal modo disseminado pela sua obra, que o leitor pode “VER” situações que ele poetiza, como se pode ver nos versos seguintes, tirados de vários poemas: ”…Foi quando tu, descendo do burrico, /Foste colher…a um granzoal azul de grão-de-bico, /Um ramalhete rubro de papoulas. / (…) E houve talhadas de melão, damascos/ E pão-de-ló molhado em malvasia./
No que diz respeito ao papel da mulher na sua poesia, deve dizer-se que a mulher superior o irritava, porque o fazia sentir-se humilhado. Um pouco complexado perante a grandiosidade da mulher que o não olhava, chegou a fazer poemas extremamente duros, sobre esse tipo de mulher. Isso pode ver-se em vários versos de outros tantos poemas como “DESLUMBRAMENTOS”, em que afirma: ” O seu olhar possui, num jogo ardente/Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo; /Como um florete, fere agudamente (… )”; no poema “ESPLÊNDIDA”: (…) Ei-la! Como vai bela (…) É fidalga e soberba, (…) Tem a altivez magnética e o bom-tom/ Das cortes depravadas. / (…) E eu vou acompanhando-a, corcovado, /…como um doido, em convulsões, /Febril, de colarinho amarrotado…”
No poema “HUMILHAÇÕES”, o sujeito poético, “ignorado e só”, repara na mulher superior, distante, fria, altiva, mas aqui já com uma superioridade que advém da condição económica e social: ” Esta aborrece quem é pobre! EU, quase JOB, /Aceito os seus desdéns, seus ódios idolatro-os; /…a mulher nervosa e vã… saltou soberba…As outras ao pé delas imitam as bonecas; / Eu ocultava o fraque usado nos botões (….).
Mas a visão que tem da mulher que não é “MILADY”, da mulher que trabalha para viver e da mulher que sofre a miséria e a doença, é outra, muito humana, muito sentida.
Sofre, por isso, perante a mulher que vive degradada e miseravelmente, vítima da opressão social da cidade e vai denunciando as circunstâncias sociais injustas, como no poema “Contrariedades”, onde nos familiarizamos com uma pobre engomadeira, tuberculosa, sozinha, que se mantém “a chá e pão”: “Ali defronte mora/Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes; /Engoma para fora. /Pobre esqueleto branco…. /Tão lívida! O doutor deixou-a…”. E no poema “Humilhações” aparece uma infeliz, no meio da grandiosidade e do fausto da burguesa: ”de súbito, fanhosa, infecta, rota, má, /Pôs-se na minha frente uma velhinha suja…olhos de coruja….” .
JACINTO DO PRADO COELHO, in “Problemática da História Literária”, 2ª edição, Edições ÁTICA- 1961, refere: ”…C.V. é um dos grandes iniciadores do moderno na poesia portuguesa. Contemporâneo de um DEGAS, de um RENOIR, Cesário alargou o âmbito do poético à representação pictórica das pessoas e das coisas humildes, quotidianas…”
Cesário ensinou-nos a poesia de respirar, de caminhar observando, de ver com amor e pormenor, quase com ingenuidade e fê-lo com uma linguagem nova, tanto de raiz burguesa como popular, rica em termos concretos, por vezes, atrevida, para sugerir mistura de sensações no físico e no anímico, uma linguagem impressionista e fantasista, como atrás referi, mas, ao mesmo tempo sacudida e coloquial.
Para começar a orientar este artigo para o fim, quero falar-vos do poema “CRISTALIZAÇÔES”, obra-prima da nossa Literatura, que o próprio poeta classificou, numa linguagem matemática, como um poliedro, uma figura sólida com muitas faces, pois nele conseguiu mostrar o sofrimento de imensas classes trabalhadoras. Vejamos: “De cócoras, em linha, os calceteiros, (…) Disseminadas, gritam as peixeiras (…) Homens de carga! Assim as bestas vão curvadas, (…) Povo! No pano-cru rasgado das camisas/ Uma bandeira (…) e os suspensórios traçam-lhe uma cruz!” Tanta coisa mais que fica por dizer!
Inúmeros vultos da LITERATURA Nacional e internacional se vergaram perante a grandiosidade da obra do pobre POETA: JACINTO PRADO COELHO, CLARA ROCHA; MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS, DAVID MOURÃO – FERREIRA, GEORG RUDOLF LIND, FERNANDO PESSOA ORTÓNIMO E HETERÓNIMO, …
Deixo este autor com uma frase de GEORG R. LIND, in Revista COLÓQIO/LETRAS, nº 93, SET/1986: “LER a obra de Cesário VERDE, nomeadamente “O Sentimento de um ocidental” equivale a ler um EÇA de QUEIRÓS transformado em poeta; significa entrar em contacto com uma poesia realista”.
Maria Elisa Ribeiro
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