sábado, 11 de setembro de 2021

Texto de Luís Osório sobre Jorge Sampaio

 

POSTAL DO DIA
Jorge Sampaio
1.
Jorge Sampaio morreu hoje.
A uma semana de completar 82 anos partiu um homem que foi o único a conseguir o impensável na política portuguesa: combater ferozmente pelos seus ideais sem nunca quebrar relações com os adversários políticos a quem derrotou e por quem foi derrotado.
Fê-lo antes do 25 de Abril conseguindo ter uma relação de cordialidade com Marcello Caetano que, algo de impensável, se demitiu do cargo de reitor por não concordar com a entrada de polícias na cidade universitária.
Fê-lo com Álvaro Cunhal – conseguindo ser o primeiro socialista a conseguir um acordo com o Partido Comunista para uma coligação (à Câmara de Lisboa).
Fê-lo com Marcelo Rebelo de Sousa e até mesmo com Cavaco Silva – provavelmente terá sido o único socialista a manter essa ponte apesar de o seu melhor amigo, Nuno Brederode dos Santos, ter sido o comentador político que mais enfureceu Cavaco.
Essa é a marca do homem que hoje partiu.
A extraordinária capacidade de não quebrar pontes ou de não desrespeitar os que pensavam diferente, marca que considerava a essência de um democrata.
2.
Não falámos nos últimos anos.
Vi-o há umas longas semanas a atravessar a rua perto do Corte Inglês amparado por um amigo, julgo que por Correia de Campos.
Não foram decerto fáceis estes últimos anos, o país acompanhou os seus problemas de saúde, a operação, a dificuldade de prognóstico, o receio da sua partida.
E depois, nos últimos dias, o internamento no Algarve, a transferência para Santa Cruz, o prognóstico reservado, o triste anúncio de hoje.
3.
Ah, mas eu vi-o a atravessar a passadeira e nem consegui reparar se o seu passo era trémulo ou firme, se estava abatido, ser precisava de ajuda de quem caminhava ao seu lado, olhei para si e era o mesmo homem que aprendi a admirar
o jovem que liderou a crise estudantil de 1962
o corajoso advogado que defendeu os presos e perseguidos políticos do Estado Novo
o político que pensou sempre pela sua cabeça
o homem que soube manter-se independente sem perder a qualidade de ser solidário
o senador que abraçou a causa dos refugiados.
Como estudante, advogado, fundador do MES, líder do PS, presidente da Câmara de Lisboa ou Presidente da República manteve o mesmo registo. Com derrotas e vitórias, mas com um balanço que o faz (aos meus olhos e aos olhos de tantos) uma referência da nossa República.
Um homem sério.
Preparado
Institucionalista
Confiável.
4.
Foi isso que eu vi quando o vi.
É isso que continuo a ver neste dia em que viajou.
Um personagem carregado de passado, mas até ao fim comprometido de futuro. Um homem grande. Sem telhados de vidro. Impoluto. Radicalmente livre.
Muitos parabéns, Dr. Jorge Sampaio.
Muitos parabéns pela vida que teve.
Muitos parabéns por nos ter deixado tanto.
Faria 82 anos no final da próxima semana.
Dizia-se que estava debilitado. Que lhe começava a custar o caminho. Que estava mais magro. Que se cansava com facilidade.
O que importa?
O que importa isso face ao balanço?
E que balanço o seu meu amigo… neste dia em que partiu posso dizer aos meus filhos que o senhor é a prova de que é possível acreditar que o caminho não se faz pelo esmagamento do outro, mas pela convicção de que se deve, em cada momento, fazer o melhor possível em nome do interesse comum. Arriscando o que tiver de ser arriscado.
Obrigado, Dr. Jorge Sampaio.
Obrigado, meu amigo a quem tanto devo.
A quem tanto devem

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