sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

CULTURA portuguesa

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Quem foi Rosa Ramalho, a mais célebre ceramista portuguesa?

por Lucas Brandão 6 Dezembro, 2020 em Artes

Quem foi Rosa Ramalho, a mais célebre ceramista portuguesa?
Rosa Ramalho / Fotografia de Eduardo Gageiro


Rosa Barbosa Lopes nasceu no lugar da Cova, na freguesia de São Martinho de Galegos, no concelho de Barcelos, no dia 14 de agosto de 1888. Ficaria conhecida, no meio, como Rosa Ramalho, que se referia a um episódio em que a sua avó recomendava ao seu filho ficar “à sombra dos ramalhos” — isto é, à sombra de umas árvores. Foi filha de um sapateiro e de uma tecedeira e, como era costume naquela altura, numa pequena terra do Minho, casou-se cedo, aos 18 anos, e teve oito filhos (três morreriam à nascença). As suas obrigações familiares fizeram-na interromper os seus dotes oleiros, que começou a desenvolver ainda antes de casar, e juntou-se ao seu marido nas lides do trabalho braçal e na distribuição de fornadas de milho, enquanto cuidava dos seus filhos e, depois, dos netos. Ganhou-os quando, para amealhar algum dinheiro, ia para casa de uma vizinha que modelava algumas figuras, na sequência das suas atividades domésticas e domiciliárias. Inicialmente, para tecer tiras de cestas, mas depois para, por olho e por hábito, aprender a fazer essas tais figuras, recorrendo a barro por cozer (ou chacota) com tintas não-cerâmicas, a partir da terra que tinha à disposição.
Só quando enviuvou de António Mota, moleiro de profissão, e com 68 anos, trajada de preto, é que voltou a pegar nesse ofício a sério (divertia os seus filhos e netos com aquilo ainda antes do seu marido falecer, todavia) e a construir um repertório que se tornou verdadeiramente de destaque. Inicialmente, era para arrecadar algum dinheiro, com o genuíno objetivo da subsistência, mas depois foi o afirmar de uma paixão, onde dava largas ao seu grande imaginário. Figuras com grandes contornos dramáticos e fantasiosos, provenientes de uma imaginação fértil e repleta de mitologias locais. A sua celebrização chegou com a sua descoberta por parte António Quadros, pintor de Viseu, que as divulgou e as criticou, tornando-as acessíveis a um maior número de gente, tanto portuguesa como estrangeira. Regionalmente, nas feiras e nas romarias a que ia, vendia bastantes das suas estatuetas, em especial no Porto, na sua feira de São João das Fontainhas, onde, precisamente, havia sido descoberta por Quadros, então estudante na Escola Superior de Belas-Artes do Porto. “Ti Rosa”, como também era tratada, tornou-se, assim, alguém famosa, mesmo num meio tão pequeno e rural, o que é raro para uma mulher se poder assumir, dadas as conveniências sociais existentes, embora fossem, por vezes, olhadas de lado, dado o caráter profano das peças no seio de comunidades tão ligadas ao divino.
Jornais e revistas faziam o resto do “marketing” do seu artesanato, assim como a sua assinatura, “RR”, moldada em gesso pelo seu filho e desenhada pelo pintor Jaime Isidoro para as suas peças, marca da autenticidade das pequenas peças. Celebrizou-se, assim, o seu figurado vidrado, modelado à mão, com cores vivas, em especial o castanho com tons de mel. Desse imaginário já referido, cenas do seu dia-a-dia, como a presença de músicos, mulheres em carros de bois, a própria matança do porco e até pássaros cruzavam-se com um bestiário povoado por diabos, lobisomens e bichos vários, combatidos pelas figuras de santos e anjos, mas também de feiticeiros. Faria, também, uma série de exposições dentro e fora do país e recebia muitas visitas de interessados e de futuros compradores da sua arte. Dos seus galardões, destacou-se a medalha “Artes ao Serviço da Nação”, que recebeu em 1964, na Feira de Artesanato de Cascais. O próprio Estado procurou aproveitar-se de Ramalho para a assumir como a típica mulher portuguesa, embora esta sobrevivesse por mais tempo que o regime.
Do seu figurado, peças locais tornaram-se autênticas referências e até objetos de culto das próprias elites, que inaugurou uma fase muito próspera da cidade Barcelos na arte da olaria. Eram pequenas figuras, geralmente com medidas de 8 por 8 centímetros, com um espaço para o assobio e que contrastavam com as da atualidade, ocas, não-maciças. No fundo, eram pequenos brinquedos, que, embora, implicitamente, exorcizassem mitos e lendas, aproveitavam as cores e os jeitos dos rostos e dos trajes para captar impressões folclóricas e para perpetuar valores e crenças locais e, em certa medida, um pouco transversais a toda a ruralidade portuguesa. Aliás, é quase o rosto de uma série de representações materiais de realidades imaginadas um pouco por todo o território, embora, à data, sem o reconhecimento e a identificação dessas expressões.
Ramalho faleceria a 25 de setembro de 1977, contava já 89 anos, na vila que a vira nascer. Seria, assim, a primeira barrista a ter um reconhecimento singular e até receberia, no ano de 1981, o grau de Dama da Ordem Militar de Sant’iago da Espada. A sua localidade não hesitou em homenageá-la, preservando a sua oficina e dando aos seus arruamentos nomes referentes a esta artista. O seu saber seria legado de geração em geração até à sua neta, Júlia (que também teve seis filhos), hoje uma conhecida barrista, também ela motivada pelos mesmos temas alegóricos e fantasiosos, com um fantástico amplo e com um valor artístico de montra. De igual modo, também fariam carreira o filho, António, conhecido como o “Ramalho”, e a bisneta Teresa, filha de Júlia.
Rosa Ramalho abriria um caminho de subsistência e de expressão artística para as gerações vindouras de oleiras, para além de inaugurar o prestígio da sua elaboração. Muito fruto da herança familiar vincada, tornou-se, no entanto, um ofício que exigiu sempre a diferenciação do antepassado, de forma a marcar a sua própria identidade. Em especial, em Barcelos, foram muitas (e muitos) outras que se tornaram conhecidas e que deram ou dão graças nesta arte: Ana Baraça, Rosa Cota, Francisco Branco, Maria Esteves, João e António “Côto”, Maria “Sineta”, “Mistério”, Lurdes Vigo, João “do Monte”, Manuel “Barbeiro”, “Cunha Caldeireiro” e muitos dos descendentes destes (por ser algo tão familiar é que muitas linhagens são conhecidas no meio) e de outros artistas com sede em Barcelos, mas que enriqueceram e que enriquecem esta nobre e pitoresca expressão artística. Embora questões associadas à sua estandardização e à deslocação deste ofício para fora das comunidades de origem, incólume é o seu legado e o seu percurso. De Ramalho, que a popularizou, até todos os demais, um exemplo perene da arte popular portuguesa.
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