terça-feira, 28 de abril de 2015

Digam lá....


O que é preciso fazer para receber um prémio de €15,8 milhões?


Nicolau Santos





No dia 11 de Julho de 2013, António Horta Osório recebeu em Londres o prémio de melhor banqueiro do mundo, que lhe foi atribuído pela revista Euromoney, numa escolha que envolveu a análise de cem banqueiros de todo o planeta. E a semana passada, quase quatro anos depois de ter tomado posse como presidente do Lloyds, que tinha sido intervencionado para evitar o seu colapso, Horta Osório anuncia que a instituição voltou aos lucros e que vai distribuir dividendos pela primeira vez desde 2008. Uma indiscutível história de sucesso, que lhe vai dar direito a receber um prémio acumulado de €15,8 milhões. Como referia um texto recente to The Guardian, o Lloyds bem pode mudar a sua campanha «Helping Britain Prosper» para «Helping Horta Osório Prosper». Será a ironia cáustica injusta?

Digamos que, nos tempos que correm e, tendo em atenção que o Lloyds só se aguentou porque o Tesouro britânico lhe deitou a mão em 2008, injetando-lhe 20 mil milhões de libras dos contribuintes (e ficando com uma participação no capital superior a 40%, que tem vindo a reduzir), o montante do prémio que Horta Osório vai receber é, no mínimo, obsceno – ou pornográfico, como preferirem. Mas é o que resulta do contrato que assinou (e onde são estabelecidos seis objetivos para se chegar aos prémios para a equipa de gestão) e dos resultados que obteve: o banco volta a dar lucro (mais de €2 mil milhões em 2014), as ações subiram 193% em três anos, o melhor resultado da Europa e o segundo melhor do mundo, e serão distribuídos €733,7 milhões em dividendos (dos quais 178,3 milhões para o Tesouro britânico).


Quantos despedimentos são necessários para receber um prémio de €15,8 milhões? Pois aqui as contas não enganam: são precisos pelo menos 15 mil despedimentos (e se contarmos com os 9 mil que estão na calha, representam mais de 18% dos trabalhadores que o Lloyds tinha quando Horta Osório chegou ao Lloyds)

Ou seja, como resultado do plano trianual que definiu, Horta Osório voltou a colocar o Lloyds a flutuar, através da venda de mais de 205,7 mil milhões de ativos considerados não estratégicos, do abandono de muitos mercados (o país estava em mais de 30 países, agora está apenas em seis), de redefinições estratégicas (aposta na concessão de crédito às pequenas e médias empresas, na banca de retalho, no crédito à habitação e nos serviços digitais), no fecho de agências (foram encerradas mais de 200) e, claro, em despedimentos. Desde que Horta Osório tomou conta do Lloyds foram despedidas 15 mil pessoas e o programa para os próximos três anos prevê o despedimento de mais 9 mil, num total de 24 mil pessoas, bem como o encerramento de mais 150 balcões.

Parafraseando a pergunta «quantos pobres são necessários para fazer um rico», bem se pode questionar «quantos despedimentos são necessários para receber um prémio de €15,8 milhões» (ou de 30 milhões quando se considera toda a equipa de gestão)? Pois, aqui as contas não enganam: são precisos pelo menos 15 mil despedimentos (e se contarmos com os 9 mil que estão na calha, representam mais de 18% dos trabalhadores que o Lloyds tinha quando Osório chegou).

Não se retira mérito a Horta Osório e à sua equipa. Mas é surpreendente que entre tantos elogios que lhe são dirigidos não se relevem os danos colaterais do seu sucesso. E para quem recebe um salário base de €1,37 milhões por ano e prémios da dimensão atrás descrita, o mínimo que se lhe pode pedir é um pouco de pudor quando vem a Portugal e aproveita para dizer aos portugueses que têm «progressivamente viver dentro das suas posses».

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