quarta-feira, 27 de outubro de 2010

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LITERATURA PORTUGUESA: uma “viagem” à obra de VERGÍLIO FERREIRA (1916-1996)





Palavras do próprio Vergílio Ferreira (VF): “O grande sonho de todo o escritor - se o tiver! -será o de nunca encontrar o leitor “ideal”. Porque, se o encontrasse, a sua obra morreria aí! E é isso o que nenhum escritor pretende, pois cada leitor “recria”, digamos assim, a obra que lê. Todas as obras literárias são o que qualquer seu leitor dela vai “vendo”, o modo como a vai “recriando”, sem seguir qualquer intencionalidade do seu autor.”
Partindo desta afirmação do escritor em análise, penso ser esse o motivo por que as obras de escritores como Fernão Lopes (escritor cronista do século), Gil Vicente (dramaturgo dos séculos XV/XVI), Eça de Queirós e outros, se mantém vivas no espírito literário de quem as interpreta ou interpretou, num dado momento da vida.
VF, autor de obras como”Manhã Submersa”, “Aparição”,”Pensar”, escreveu ainda para revistas literárias como “COLÓQUIO LETRAS”,”CONTA CORRENTE”( aqui em forma de diário nos tomos I,II,III,IV e V), “EM NOME DA TERRA”, “CONTOS”, “NA TUA FACE” e tantas outras mais, que nem é necessário referi-las ,se os leitores estiverem interessados em conhecê-las, tal a variedade e complexidade das temáticas nelas tratadas. Nascido em Melo, Gouveia, estudou em Coimbra e foi Professor, nomeadamente em Évora.
Mesmo tratando temas difíceis, como “o saber não ocupa lugar”, não se perde nada ganhando conhecimentos, pelo que eu decidi aflorar essa obra, referindo-me à que melhor conheço, que é “APARIÇÃO”. Deste autor li também “Manhã Submersa”, que não me cativou por me lembrar do que foi a minha meninice, num colégio de freiras. De tudo o que possa dizer-vos de VF, fiquem com a certeza de que muito ainda ficará por dizer…É aí que eu quero aguçar o vosso apetite a respeito desta matéria! Voltei a ler VF, já Professora de Português, pois “Aparição”fazia parte do programa do 12º ano. Esta obra exigiu de mim um esforço tremendo de pesquisa e estudo, pois a temática é complexa mas linda, tendo a ver com a existência do Homem. Afinal, quem nunca se questionou sobre esta outra metade da Criação? “Quem sou eu?” De onde venho, para onde vou? O que é DEUS, quem é DEUS, onde está, como posso ou devo crer n’ELE?
A personagem principal de “Aparição”, o DR. Alberto Soares, perfeito “alter-ego” de VF, decide “levar” com ele todas estas questões, para as quais, como seguidor da doutrina filosófica, que é o Existencialismo, ele acha que já tem resposta. Em Évora, esquece-se de que aquela é uma sociedade fechada, quase labiríntica, pouco aberta a este tipo de problemas existenciais.
Personalidade perturbante e perturbada, o novo Professor esqueceu-se de que nem todos tinham os mesmos problemas que lhe advieram de leituras que fez de SARTRE, GABRIEL MARCEL, HEIDEGGER, KIRKGAARD e JASPERS, nomeadamente. Só que VF seguiu o Existencialismo de SARTRE, que era ateu! -e que diz e pensa que “Existencialismo é humanismo”! Para ele, Deus não pode existir e o homem está condenado a ser livre. Se assim fosse, a nossa existência seria o que dela quiséssemos fazer… A verdade é que a “Mensagem” não passou e até foi mal entendida por Carolino, seu aluno, que chegou à triste errada conclusão de que podia, ele próprio, ser um deus e dar ou tirar a vida aos outros, se lhe desse na real gana! O próprio VF, na sua linha de pensamento, diz:”Vim para perturbar, não trago comigo a paz, nem para mim, nem para os outros.”E, questionando a existência humana, afirma, na revista “Colóquio Letras Nº 90”:” de nascer Só para ter existido, valeu a pena existir. A maior recompensa da VIDA é ela própria… (…) Foi bom ter nascido. Foi bom não ter acabado ainda de nascer…”
E que grande verdade, leitores! Continuamos a nascer, crescendo, existindo…Só é triste, e com isso não nos conformamos, que um dia tenhamos que deixar de nascer, deixar de existir, para cumprir o mais escuro desígnio de DEUS, o qual, “tendo-nos feito à sua imagem e semelhança”, permite que desapareçamos, feitos em pó…ELE, que não tem princípio, meio ou fim…
No romance “APARIÇÃO”, editado antes de “CÂNTICO FINAL”, a personagem principal, Dr. Alberto Soares, transmite aos alunos a ideia de que ”Escreve para ser”, o que completa perfeitamente o próprio percurso da arte, como a entendia V.F:”O HOMEM É, sendo, existindo…” No que diz respeito à acção, esta decorre entre dois espaços anti téticos, ABEIRA interior e o ALENTEJO, Évora, mais precisamente. Montanhas cobertas de neve e batidas pelos ventos frios, onde se situa a casa da família SOARES e a sedenta planície alentejana, queimando num brasido de sol e de paixões.
É impossível não “ver” Florbela Espanca nas ruas da cidade e na planície em chamas, como tão bem a descreve a personagem principal… em chamas, mas coberta pelo “luar da morte” e “pelo odor dos largos ventos”. A loucura do primeiro contacto do homem consigo mesmo, a primeira indagação em torno do seu EU, teve-a Alberto em pequenino, em frente ao espelho quando, ao mirar-se, disse: ”E vi, vi com os olhos, a face desse alguém que me habitava, que me era!” (cap.VI) Aqui começou a Aparição, que, afinal, somos nós, perante nós próprios…Hoje, com defeitos, amanhã com virtudes… e acabamos, então, por ser, como afirmava SARTRE, em meados dos anos cinquenta do século passado,”O homem-é-um-ser-para-a-morte”. Ao desafiar DEUS, desde pequenino, ao abandoná-Lo, Alberto demonstra ter vontade de chegar à sabedoria total sobre si mesmo e sobre os outros. Por atitude semelhante, ”ADÃO e EVA” foram postos fora do paraíso terrestre, falando em segundo sentido É CLARO! Mas, infelizmente a sua dura mensagem teve consequências dramáticas: Carolino subverteu a mensagem, entendeu-a mal e acabou por matar uma galinha como quem solta uma gargalhada, porque se sentia DEUS, capaz de tirar a vida a quem quisesse: e provou-o quando, numa noite de tempestade, tentou matar o Professor na CASA DO ALTO e na noite rubra de S. João, assassinou Sofia Moura.
A Morte, como não podia deixar de ser num romance desta temática, é assunto frequente: morre o cão “Mondego”, morre o pai do Professor, morre Cristina Moura, uma criança- génio da música, morrem Sofia e o “Bailote”…No epílogo da obra, integrado no POSFÁCIO, encontramos Alberto Soares já velho, cansado das lutas existenciais, ciente de que, afinal, a liberdade não o podia salvar da “hora fatal”, à espera “de que alguém o chame para a última comunhão” … Assim, o homem VF, depois de uma vida sofrida a tentar fazer valer a ideia de que DEUS não existe, acaba por compreender e aceitar o inevitável: iremos, todos, quando Alguém nos chamar para a nossa última comunhão…

MARIA ELISA RODRIGUES RIBEIRO

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