Primeira fase: arqueologia do saber
Os primeiros textos de Foucault foram escritos nos anos 1950. Nessa década, no ano de 1954, Foucault publicou seu primeiro livro, Doença mental e personalidade (que mais tarde foi reeditado com o título de Doença mental e psicologia). Mas foi a partir do início dos anos 1960 que sua obra ganhou consistência teórica e começou a ter grande repercussão. Já em 1961 Foucault publicou sua tese de doutorado, o livro História da loucura na Idade Clássica, um amplo estudo sobre as diferentes formas com que as sociedades europeias lidaram com o fenômeno social e psicológico da loucura e da sua relação com a razão (um conceito central para a filosofia). Para Foucault, a relação entre a loucura e a razão variou ao longo da história, porque essa relação foi pensada de diferentes formas. Por exemplo, no período do Renascimento a loucura era vista como algo misterioso e mesmo místico; já no século XVII, ela foi definida e pensada como “desrazão” e passou a sofrer uma exclusão sistemática, de modo que a atribuição de loucura era um fator importante de exclusão de indivíduos de mais variados tipos; e na época moderna, a loucura passou a ser pensada de acordo com os novos conhecimentos da psiquiatria e, consequentemente, passou a ser vista como uma doença mental e um problema para intervenção médica especializada.
Em 1963, Foucault publicou dois livros: Raymond Roussel e Nascimento da Clínica. Os dois livros tratam, de formas diferentes, do problema da linguagem. No livro Raymond Roussel, Foucault desenvolveu sua visão sobre a linguagem literária. Para Foucault, a linguagem é um domínio independente da realidade, com regras próprias de funcionamento. Esse domínio da linguagem tem funções que vão muito além de apenas “representar a realidade” não linguística. A literatura, para o filósofo, mostra isso ao explorar as possibilidades criativas oferecidas pela linguagem: através do uso das palavras é possível criar coisas novas. No livro Nascimento da clínica Foucault estuda as transformações históricas do conhecimento médico, buscando mostrar como este conhecimento se redefiniu a partir de uma “reorganização dos conceitos”, uma visão que em muito lembra, por exemplo, as ideias de Thomas Kuhn sobre as mudanças nos paradigmas científicos.
Em 1966, Foucault publicou outra extensa obra, intitulada As palavras e as coisas. Este livro é um estudo sobre mudanças nos conhecimentos ocorridas de época para época. Foucault busca mostrar que em uma época predominava uma forma de classificar e conceituar os fenômenos e que a partir de transformações internas às próprias áreas do conhecimento, essas formas de classificar e conceituar também se modificavam. Assim Foucault busca mostrar as diferenças e descontinuidades entre a Análise das Riquezas do período clássico e a Economia Política moderna, entre a Gramática clássica e a Filologia moderna, e entre a História Natural e as Ciências Biológicas modernas. Além disso, Foucault faz nesse livro uma grande discussão sobre as ciências humanas, defendendo que elas mostram aspectos importantes do mundo e da vida humana e social que derrubam interpretações humanistas (que eram fortes nos meios filosóficos franceses).
Por fim, no ano de 1969, Foucault publicou um livro chamado Arqueologia do saber. Neste livro, Foucault fez uma espécie de síntese dos seus trabalhos anteriores, definindo os princípios básicos de sua pesquisa. Ele definiu conceitos como “enunciados”, “discursos”, “formações discursivas”, “saber”, entre outros. Seu objetivo principal foi estabelecer uma reflexão sobre a linguagem e sua relação com o nosso conhecimento do mundo.
Vemos, portanto, que, ao longo dos anos 1960, os principais objetivos do filósofo foram os de mostrar como a linguagem é um fenômeno que possui um funcionamento que está além dos indivíduos e da pura intenção individual. A partir de estudos sobre a psiquiatria e a loucura, a medicina, a literatura, as formas de conhecimento, e a própria linguagem (pensada principalmente a partir do conceito de discurso), Foucault buscou defender a posição de que as nossas formas de conhecer e relacionar com o mundo são condicionadas pelas possibilidades que a linguagem nos oferece.
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