"Isto de religião está cada vez pior dentro de mim. Depois de uns arrancos fundos e angustiosos, a coisa foi secando, secando, até chegar a esta mirra mística, que já não há Jordão teológico capaz de vivificar.
Mas quanto mais pobre estou desse conteúdo humano, mais cheio me sinto de desespero. O que eu dava para me levantar cedo esta manhã, ir à missa, e voltar da igreja com a cara que trazia o meu vizinho!
Não é que eu tenha verdadeiramente pecados, ou que, se os tivesse, algum Deus fosse capaz de me lavar deles. (Até o último aldeão sabe que quando muda um marco não há céu que lhe benza a maroteira).
Queria era sentir-me ligado a um destino extra-biológico, a uma vida que não acabasse com a última pancada do coração."
(Miguel Torga (“Diário I vol.)
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