POSTAL DO DIA
Alice Vieira foi abandonada
(mas soube oferecer ao mundo o que nunca teve)
1.
Alice Vieira editou “Rosa, minha irmã Rosa” há mais de 40 anos. Depois desse primeiro livro seguiu-se outro e outro e outro.
Tornou-se, por mérito próprio, o nome maior da história da literatura infantil e juvenil portuguesa das últimas décadas.
E tantas e tantas vezes deslocou-se graciosamente a escolas e a todos os lugares onde existiam crianças para a ouvir falar sobre livros.
Sobre sentimentos.
Sobre os dias que viveu.
Sobre personagens, futuro e esperança.
2.
Alice foi abandonada pela mãe quando tinha 15 dias.
“Não era pobre nem mãe solteira” como um dia a Alice comentou na minha página, a mãe deu-a a quem melhor pudesse cuidar dela.
E foi à sua vida.
A Alice ficou sem mãe, desamparada de afetos. Cresceu com tios-avós. Sozinha na maior parte do tempo. Sem os abraços que merecia. Que merecem todas as crianças. Sem a rede que todas precisam tinha tudo para falhar…
mas não falhou.
Mais do que isso, ofereceu ao mundo o que lhe faltava. E dedicou-se à escrita e a crianças a quem influenciou, amparou e ofereceu rede. A rede que nunca teve. O afeto e amparo que nunca teve.
Ousou caminhar contra o destino. Preferiu construir-se rodeada de pessoas por todos os lados, de amigos, de gerações de portugueses que começaram a ler por terem caminhado nos seus livros.
3.
Há pessoas assim. Não tantas como precisaríamos, mas há. Passam pela vida como se voassem acima dos nossos pés. Atrevem-se a fazer tudo ao contrário do que imaginávamos ser possível. Mandela saiu da prisão e em vez de ódio ofereceu ao mundo compaixão.
Alice Vieira nunca teve uma mãe e em vez de lhe terem nascido ervas daninhas sobrou-lhe uma enorme vontade de poder ser mãe de todas as crianças. Uma espécie de mãe feita de palavras, feita de perguntas para perguntar e de sonhos para serem sonhados.
Não há destino melhor do que aquele que tiveste, querida Alice. Mesmo que chores todos os dias até à eternidade.
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