quarta-feira, 30 de junho de 2021

O Romantismo de Florbela Queirós: artigo de Paulo Marques

 

FLORBELA ESPANCA NUNCA SE CONCILIOU COM O AMOR
Agustina Bessa-Luís observou que o amor, para Florbela Espanca (1894 – 1930), correspondia a uma «atitude masculina», pois havia nela uma espécie de sensualidade estética comum a grandes sedutores como Don Juan e Casanova.
Filha de mãe ausente; admiradora incondicional do pai com quem se comportou como «um camarada» com quem «frequentou a mesma tarimba», alimentando um conflito edipiano que nunca resolveu; e vivendo ao longo da vida uma relação com o irmão por muitos considerada incestuosa; a poetisa procurou sempre nos homens da sua vida ― maridos e amantes ― a substituição do amor pelos dois homens da família. Diria numa das suas cartas a Júlia Alves: «Preciso tanto de ser embalada devagarinho... suavemente... como uma criança pequenina, sonhando de olhos fechados, num regaço carinhoso e quente!...»
Em Florbela, o amor foi sempre um amor perdido, mesmo depois de ser encontrado, desilusão atrás de desilusão, numa procura obsessiva que se revelou impossível. Toda ela se entregou nos casamentos, submetendo-se livremente aos homens «amados». Ilusão breve, seguida de imediata necessidade de libertação de um jugo para o qual não estava talhada.
Por outro lado, sendo a sua escrita sobretudo expressão de desejo, carregada de erotismo, e tendo a autora demonstrado ser capaz das maiores paixões: «Eu quero amar, amar perdidamente!/ Amar só por amar: Aqui... além.../ Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente.../ Amar! Amar! E não amar ninguém!», afirmava ser o casamento tal como a posse, algo de brutal, ansiando por morrer virginalmente para, deste modo, espiritualizar o erotismo revestindo-o de uma certa glorificação religiosa.
A sua alma inquieta e insatisfeita fez com que se inconciliasse com o amor. José Régio refere: «Nem o Deus que viesse amá-la, sendo um Deus, lograria satisfazer a sua ansiedade...», e adianta: «...lembremo-nos, continuemos a lembrar-nos que Florbela gosta demasiado de si mesma, comprazendo-se em cantar “os leves arabescos” do seu corpo, a sua “pele de âmbar”, os seus “olhos garços”, sobretudo as suas mãos que tanto veste de imagens. Pormenor impressionante: O que em si própria parece agradar-lhe ― as mãos e os olhos ― é o que mais canta no amante amado. Dir-se-ia que ainda nele se espelha e se procura. E sem dúvida poderemos pensar que, em vários dos seus sonetos considerados de amor, ela é que é o verdadeiro motivo; e o pretenso amado um pretexto. Ora, narcisismo e egolatria não parecem que sejam muito favoráveis ao dom de amar.»
Ela própria reconheceu: «Eu não gosto do sol, eu tenho medo/ que me leiam nos olhos o segredo/ de não amar ninguém, de ser assim!»

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