Fernão Lopes

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Disambig grey.svg Nota: Este artigo é sobre o cronista. Para o soldado e primeiro habitante da Ilha de Santa Helena, veja Fernão Lopes (soldado).
Fernão Lopes
Possível retrato de Fernão Lopes, nos Painéis de São Vicente de Nuno Gonçalves
NascimentoEntre 1380 e 1390
Alandroal?,[1] Reino de Portugal Portugal
Mortec. 1460 (80 anos)
Alandroal?,[1] Reino de Portugal Portugal
OcupaçãoGuarda-mor da Torre do Tombo
Principais trabalhosCrónica de el-rei D. Pedro I
Crónica de el-rei D. Fernando I
Crónica de el-rei D. João I
Assinatura
Assinatura Fernão Lopes.svg

Fernão Lopes (fl. 1418–1459) foi escrivão e cronista oficial do reino de Portugal e o 4.° guarda-mor da Torre do Tombo.

De origem plebeia, pelos serviços prestados à Coroa, recebeu carta de nobreza. Herdou tradições clássicas, francesas e ibéricas, mas distinguiu-se dos seus predecessores, dando grande importância à análise crítica da História e à comprovação documental dos eventos, buscando relatar os factos como eles ocorreram, com verdade e objetividade, expurgando as opiniões parciais, os exageros retóricos e as lendas. Também, inovadoramente, mostrou o povo como um importante agente da História, minimizando o protagonismo, antes quase exclusivo dos reis e da aristocracia. Por isso, é considerado um renovador do género da crónica histórica, um dos precursores da historiografia científica e o fundador da historiografia portuguesa. Ao mesmo tempo, foi dono de uma considerável bagagem intelectual, de uma sensibilidade humanista e de um estilo literário invulgarmente ágil e envolvente, calcado na oralidade e no universo popular, sem descartar referências eruditas, características que fazem dele a figura mais importante da literatura portuguesa medieval. Das suas várias obras, restam apenas as crónicas de D. Pedro, de D. Fernando e de D. João I.[2][3][4][5]

Biografia

Supõe-se que tenha nascido entre os anos de 1380 e 1390, com uma provável origem familiar vilã e mesteiral. Existe a hipótese de ter nascido e, mais tarde, ter sido sepultado no Alandroal, no Alentejo, com base na inscrição de uma pedra tumular, que lhe poderá ter pertencido, e nas ligações históricas da vila com a Ordem de Avis.[1]

O registo mais antigo sobre a sua vida é um documento datado de 1418,[1] que informa ser Fernão Lopes escrivão do Infante D. Duarte e guarda-mor da Torre do Tombo, cargo de alta confiança em que era encarregado de guardar e conservar os arquivos de Estado. Em 1419, foi citado como "escrivão dos livros" de D. João I, e deve ter sido por esta altura que foi incumbido por D. Duarte de colocar os feitos dos reis portugueses na forma de crónica. Num alvará de 1422, aparece com a função de escrivão da puridade do Infante D. Fernando.[5][6][7]

Pouco depois de D. Duarte subir ao trono, em 1433, o rei concedeu-lhe uma tença vitalícia de 14 mil réis anuais, como recompensa pelos serviços que já prestara e pelos que ainda prestaria. D. Duarte concedeu-lhe também uma carta de nobreza e o título de vassalo d'el-rei.[6][7] Em 1437, aparece como tabelião-geral do Reino, mas diz Teresa Amado que provavelmente já desempenhava esta função há muitos anos.[7]

Em 1439, comprou na Aldeia Galega (Montijo) uma casa com quintal, seis courelas de vinha e um pinhal. A compra custou-lhe menos de 5500 reais brancos. Anos depois, comprou um pequeno terreno anexado à sua existente casa. Também tinha uma casa em Lisboa, perto da igreja de S. Miguel de Alfama.[8]

Continuou como cronista oficial durante a regência do Infante D. Pedro e o governo de D. Afonso V.[5] Em 1443, é atestado a terminar a primeira parte da Crónica de D. João I, e, em 1448, D. Afonso nomeia Gomes Eanes de Zurara cronista oficial do Reino em seu lugar, mas ao que parece Lopes continuou a trabalhar com o seu sucessor durante algum tempo. Permanecia, porém, guarda-mor da Torre do Tombo, como comprova uma tença outorgada pelo rei nesse ano.[7]

Em 1454, em virtude da idade avançada, foi aposentado das funções de guarda-mor da Torre do Tombo, sendo substituído por Zurara.[5] A última informação conhecida sobre Fernão Lopes dá conta de que ainda vivia em 1459, quando contestou os direitos de um neto ilegítimo à sua herança.[4][7] A data de sua morte é incerta. Segundo informações no prefácio da Chronica de El-Rei D. Pedro I, escrito por Luciano Cordeiro, após deixar a função de guarda-mor, Fernão Lopes teria ainda vivido por mais cinco anos, falecendo próximo aos 80 anos de idade.[9]

Fernão Lopes foi casado com uma tia da mulher do sapateiro Diogo Afonso, deixando um filho, mestre Martinho, que foi "físico" (médico) do infante D. Fernando. Martinho teve um filho bastardo, Nuno Martins.[6]

Das crónicas que escreveu sobre a história de Portugal restam-nos apenas três identificadas com segurança: a Crónica de D. Pedro, a Crónica de D. Fernando e a Crónica de D. João I. A Crónica de 1419 – um conjunto de narrativas sobre os sete primeiros reis de Portugal – é reconhecida também como obra sua pela maioria dos críticos. Bem mais controversa é a autoria da Crónica de D. Afonso IV, da Crónica de D. Afonso III ou de D. Sancho II e da Crónica do Conde D. Henrique. Já sua autoria da Crónica do Condestável, que foi postulada por algum tempo, hoje está inteiramente desacreditada.[6][7]

Depois de um longo período de obscuridade, a sua recuperação crítica iniciou-se no século XIX, sendo consagrado primeiramente por Alexandre Herculano (1810-1877), que o chamou de "pai da História portuguesa". Hoje essa posição está solidamente estabelecida, não pela cronologia, já que teve precursores, mas pelo vulto e pelo caráter nitidamente moderno de sua obra, bem como pelo seu alto valor literário.[10][11]

Contexto histórico

Primeira página de uma cópia manuscrita das Crónicas de Dom Pedro I, Dom Fernando e Dom João I.

Fernão Lopes forma-se num contexto próximo a acontecimentos que se faziam recentes na memória dos portugueses, a saber, os mais significativos: a Crise de 1383-1385 e a Batalha de Aljubarrota (1385). O primeiro acontecimento foi um golpe sucessório “auxiliado pela população camponesa, comerciantes, alguns membros da nobreza e ordens religiosas, principalmente franciscanos”, que assegurou a ascensão do Mestre de Avis, D. João I, ao trono português.[4] D. João I sairia fortalecido como rei de Portugal com o reconhecimento da legitimidade da dinastia avisina através da assinatura do Tratado de Windsor (1386), entre Portugal e Inglaterra e do seu casamento com D. Filipa de Lencastre.

Ao rei eleito e popular, D. João I, sucedeu um rei mais aliado à aristocracia, D. Duarte. Cresceu o poder feudal dos filhos de D. João I, e com ele o predomínio da nobreza, que saíra gravemente abalada da crise da independência. Assistiu-se à guerra civil subsequente à morte de D. Duarte, à insurreição de Lisboa contra a rainha viúva D. Leonor de Aragão, e à eleição do Infante D. Pedro por essa cidade, e em seguida pelas cortes, para o cargo de Defensor e Regedor do Reino, em circunstâncias muito parecidas com as que tinham levado o Mestre de Avis ao mesmo cargo e seguidamente ao trono em 1383-1385.[12][13]

Sendo assim, Fernão Lopes entrara, certamente, em contacto com testemunhos dos acontecimentos, sendo esses eventos relatados na sua obra de 1443, Crónica de D. João I. Pode, dessa forma, consultar os protagonistas envolvidos na resistência contra Castela e na paz firmada no ano de 1411 com o mesmo reino, através do Tratado de Ayllón, ratificado em 1423. Diante desta conjuntura política e social conturbada Fernão Lopes foi designado, por D. Duarte, para escrever os feitos da dinastia de Avis.[12][13]