O que separa Bruxelas do governo de Boris Johnson
As negociações para um acordo entre Reino Unido e União Europeia começam na próxima semana. Mas há obstáculos logo à partida: Bruxelas exige condições de igualdade nos impostos, direitos sociais e de trabalho. Londres rejeita alinhamento com as leis da UE.
As negociações entre a União Europeia (UE) e o Reino Unido começam na próxima semana sob a ameaça de terminarem em breve. Comissão Europeia e Downing Street publicaram as diretrizes para as conversações sobre a relação futura e as divergências parecem sobrepor-se ao muito que há em comum. O negociador da UE, Michel Barnier, diz que Bruxelas não vai fechar "um acordo a qualquer preço". E o governo de Boris Johnson diz que prefere sair das negociações em junho se não houver progressos até lá.
O quadro de conversações é muito amplo e o calendário diminuto: no dia 31 de dezembro termina o período de transição, com ou sem acordo. A fatia de leão dos convénios institucionais respeita à parceria de segurança e à parceria económica. É nesta última que residem os principais pontos de discórdia.
Na declaração política que acompanha o acordo de retirada do Reino Unido da União Europeia, revista em outubro, as partes comprometem-se a trabalhar para um acordo de comércio livre abrangente e em cooperação setorial "sempre que seja no interesse mútuo". Tudo isto "sustentado por disposições que garantam condições equitativas de concorrência para uma concorrência aberta e justa", lê-se no documento.
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Condições equitativas
Mais adiante, há um capítulo dedicado apenas à questão das condições de igualdade. Documentos da Comissão Europeia explicam que a UE está "pronta para oferecer um acordo comercial de enorme ambição, com tarifas zero e quotas zero em todos os bens que entram no mercado único de 450 milhões de pessoas". Há, porém, uma contrapartida aos britânicos. "Devido aos nossos elevados níveis de interligação económica, ao valor do comércio e à proximidade geográfica", as diretivas de negociação "deixam claro que esta oferta excecional está condicionada a fortes salvaguardas de condições de igualdade de concorrência para evitar vantagens competitivas desleais que o Reino Unido poderia derivar de divergências regulatórias (redução de padrões) ou subsídios aos exportadores britânicos".
Os 27 e o Reino Unido comprometem-se em "manter um quadro sólido e abrangente para a concorrência e o controlo dos auxílios estatais que evite distorções indevidas do comércio e da concorrência; comprometer-se com os princípios de boa governação na área da tributação e ao combate às práticas fiscais prejudiciais; e manter os padrões ambientais, sociais e de emprego nos níveis elevados atuais fornecidos pelas normas comuns existentes".
A frase seguinte é essencial: "Devem basear-se nos padrões correspondentes da União e internacionais." Para Bruxelas, isto significa que Londres deve manter um alinhamento com as normas e os regulamentos comunitários, ainda que não tenha incorporado a exigência francesa do "alinhamento dinâmico". Ou seja, para a UE, Londres tem de manter as suas regras atuais compatíveis na generalidade com as europeias e não exatamente iguais.
Para o governo de Boris Johnson, nem a solução de compromisso de Bruxelas vale, como se pode ler no documento de 36 páginas do governo de Boris Johnson, publicado nesta quinta-feira. "Aconteça o que acontecer, o governo não negociará qualquer acordo em que o Reino Unido não tenha o controlo das suas próprias leis e da vida política. Isso significa que não concordaremos com nenhuma obrigação para que as nossas leis estejam alinhadas com as da UE ou que as instituições da UE, incluindo o Tribunal de Justiça da UE, tenham jurisdição no Reino Unido".
O governo de Boris Johnson argumenta que a sua abordagem continua em consonância com a declaração política sobre a futura relação e que as exigências da UE equivalem a uma subordinação legal do Reino Unido. "Na procura de um acordo não vamos prescindir da nossa soberania", disse o ministro Michael Gove na Câmara dos Comuns. Ou seja, o famoso no deal volta a ser uma hipótese a ter em conta. Nesse caso, o bloco europeu e Londres passariam a negociar sob os termos da Organização Mundial do Comércio.
Pressão alta
O governo britânico, no referido documento, reitera que a possibilidade de pedir uma extensão do período de negociação -- possível de pedir até 30 de junho -- está descartada. Em junho, quando de uma conferência entre a UE-27 e o Reino Unido, Downing Street espera ter um "esboço geral de um acordo claro e capaz de ser rapidamente finalizado até setembro". Caso contrário, "o governo terá de decidir se a atenção do Reino Unido deve desviar-se das negociações e concentrar-se apenas na continuação dos preparativos internos para sair do período de transição de uma forma ordenada".
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