domingo, 27 de setembro de 2015

Palavras de um fundador do PS....


Alfredo Barroso: "Contra a mentira, a amnésia e a resignação"

O fundador do PS participou no comício do Bloco na sexta-feira em Faro e criticou a "crescente endogamia política entre os partidos que alternam no poder", que os tornou "cada vez mais indiferenciados entre si". Leia aqui a intervenção completa de Alfredo Barroso.
27 de Setembro, 2015 - 14:40h
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Alfredo Barroso. Foto Paulete Matos


Hoje quero falar da mentira, da amnésia e da resignação, mas também da alternância sem alternativa que continua a viciar o nosso sistema democrático.

1.

O primeiro-ministro que ainda temos, Pedro Passos Coelho, não se cansa de repetir que «é preciso começar a falar do futuro», mas é ele próprio que se apresenta nesta campanha eleitoral sem programa à vista, e não se cansa de falar do passado, distorcendo-o constantemente.

De facto, não há futuro sem passado, e o passado deste governo de direita – que tem vindo a empobrecer deliberadamente os portugueses desde há quatro anos – não é coisa que boa de se ver, tantos foram os sacrifícios brutais impostos à classe média e às classes populares, em benefício exclusivo dos mais ricos e poderosos.

Não têm conta as falsas promessas proferidas há quatro anos por esse mentiroso compulsivo que é Passos Coelho, para conseguir ganhar as eleições e alcançar o poder – onde continuou a mentir sistematicamente.

Lembramo-nos de muitas dessas falsas promessas. Mas há sempre mais uma que vamos descobrindo, e que constitui como que uma “marca de fábrica” deste político amoral e sem escrúpulos.

Por exemplo, no dia 5 de Abril de 2011, Passos Coelho fez uma extraordinária afirmação – que já terá esquecido – reveladora da sua incapacidade e incompetência políticas.

Numa das suas habituais sessões de ilusionismo político, neste caso no chamado Clube dos Pensadores, disse ele:

«É decisivo um crescimento económico de pelo menos 3 a 3,5% nos próximos dois ou três anos, ou então a austeridade não valeu de nada».

Referia-se aos anos de 2012, 2013 e 2014.

Chegados a 2015 com uma baixíssima taxa de crescimento, a conclusão que se impõe é óbvia: «a austeridade não valeu de nada», citando as palavras do próprio Passos Coelho.

E o certo é que as notícias sobre o crescimento continuam a não ser boas. Segundo economistas do ISEG (na Síntese de Conjuntura de Setembro publicada há poucos dias), «se o actual ritmo de crescimento se mantiver, os anos da troika vão ditar quase uma década de crescimento perdido: só em 2019 é que o Produto Interno Bruto (o PIB) deverá regressar aos valores de 2010, anteriores à intervenção da troika».

Ou seja, sem o crescimento prometido em 2011 por Passos Coelho – os tais 3 a 3,5%, nos três anos seguintes – nunca haveria (e não houve!) “pacotes de austeridade” que lhe valessem.

O homem tinha razão. E fez questão de o demonstrar (em parceria com o “irrevogável” Paulo Portas) durante quatro anos de sucessivos “pacotes de austeridade” que flagelaram sem piedade a classe média e as classes populares, aumentando a pobreza e encolhendo o país.

2.

Um dos argumentos mais aviltantes usados por esta direita ultra-liberal e reaccionária que quer continuar no poder, é o de que os pobres e os remediados – impiedosamente sacrificados por esses “pacotes de austeridade” – querem agora passar a viver à tripa-forra.

Que vergonha! Quem vive à tripa-forra e tem beneficiado imenso com a austeridade imposta por este governo, são os ricos e poderosos, os grandes empresários, os plutocratas e os “tecnocratas sem pátria” (ou “apátridas”, como lhes chamava De Gaulle) ao serviço do capital financeiro.

É esta gente que constitui o poder não democrático (e por isso ilegítimo) que de facto nos governa – não apenas em Portugal, mas também na União Europeia, no Banco Central Europeu, no Fundo Monetário Internacional e nas outras instâncias internacionais que comandam a globalização.

A verdade é que, com este governo, “o emprego caiu a pique”.

Nos últimos quatro anos:

– foram destruídos cerca de 400 mil postos de trabalho;

– cresceu o desemprego;

– diminuíram os salários;

– aumentou a precariedade;

– encolheram os direitos dos trabalhadores e dos desempregados.

Passos Coelho insiste em afirmar que o seu governo “tem andado a pagar as dívidas dos outros” (leia-se: do anterior governo), mas o certo é que, com este governo, a dívida do país já chegou aos 290 mil milhões de euros em Julho de 2015..

Representava algo mais do que 80% do PIB quando a direita chegou ao poder. Representa agora cerca de 130% do PIB. Terá subido 106 mil milhões de euros em quatro anos

Por outro lado, como explica Catarina Martins no magnífico livro que publicou este mês («Mitos Urbanos, um mapa para ler a crise»): «Portugal vive com uma das maiores desigualdades sociais da União Europeia e tem uma das maiores taxas de pobreza da OCDE».

Mais. Com este governo, o país encolheu:

– «Portugal é o quinto país do mundo em que a população mais decresceu durante 2014. Segundo o Banco Mundial, apenas Porto Rico, Letónia, Lituânia e Grécia tiveram um declínio populacional maior».

A emigração de portugueses é maior do que na década de 1960 (marcada pela ditadura de Salazar e pela guerra colonial). E agora tanto emigram os menos qualificados como os mais qualificados. Nos últimos quatro anos, emigraram quase 500 mil portugueses.

Seguindo a agenda e a doutrina neoliberal dominante, este governo:

– sujeitou-se completamente aos ditames da Comissão Europeia e do governo alemão;

– impôs o domínio do capital financeiro sobre a economia (só nos últimos seis anos, os bancos portugueses beneficiaram de apoio do Estado num montante superior a 36 mil milhões de euros);

– instaurou a concorrência em quase todos os domínios, através da desregulação, das privatizações, dos ataques ao Estado Social (SNS, escola pública, Segurança Social), dos cortes brutais nos salários, pensões e prestações sociais de todo o tipo;

– e aprovou políticas fiscais que beneficiam escandalosamente as grandes empresas e os plutocratas.

O objectivo prosseguido por este governo reaccionário foi o de reforçar o poder das elites económicas dominantes, utilizando o poder do Estado para proteger e defender os interesses dessas elites e para criar um ambiente institucional e um clima favoráveis ao lucro.

O seu projecto de redistribuição das riquezas nada tem que ver com a protecção e bem-estar da colectividade nacional. Baseia-se, isso sim, na acumulação por desapossamento, espoliação e esbulho de grande parte das classes médias e das classes populares

– reencaminhando essas riquezas da base para o topo da hierarquia social.

Por outro lado, políticos defensores da via neoliberal e tecnocratas ao serviço do poder do dia ocupam hoje posições de relevo que lhes permitem exercer uma influência considerável:

– quer nas universidades e grupos de reflexão;

– quer nos órgãos de comunicação social;

– quer nos conselhos de administração das empresas e das instituições financeiras;

– quer no aparelho de Estado;

– quer no Banco de Portugal.

O domínio exercido pelos dois partidos do “bloco central” – ou pelos três partidos do chamado “arco da governação” – sobre a sociedade e o Estado é quase total, e são eles os principais responsáveis pelo lamentável estado a que este país chegou.

3.

Não podia ser mais negativo o balanço dos quatro anos de governo desta coligação de direita constituída pelo PPD/PSD e pelo CDS/PP.

As suas armas mais visíveis e perigosas nesta campanha eleitoral são, sem dúvida alguma:

– a mentira compulsiva que caracteriza os discursos dos seus chefes;

– a amnésia que eles inoculam na maioria dos seus apoiantes;

– a resignação que instilam em boa parte da população, insistindo em que não há alternativa às políticas de austeridade que eles puseram em prática.

(Um pequeno parêntesis: não sei se sabem que o vinho tinto alentejano que foi servido em Beja no almoço de campanha da coligação «Portugal à Frente» chama-se «Amnésia»… Faz-me lembrar aquela anedota do alcoólico que confessa: «Bebo para esquecer». Um amigo pergunta-lhe: «Mas esquecer o quê?». E o alcoólico responde: «Já não me lembro»…)

A coligação de direita não apresenta sequer um programa que se veja. Os seus dois chefes (Pedro PàF e Paulo PàF) limitam-se a invocar o merecimento das suas pessoas e das suas políticas.

Mas é óbvio que têm uma agenda escondida – até agora encoberta pelo discurso radioso de um novo “oásis lusitano” – que inclui sem dúvida alguma novas medidas de austeridade. Não tenhamos ilusões.

Ora, é indispensável romper com a infernal lógica neoliberal e austeritária que continua a empobrecer os países do Sul da Europa, a degradar a democracia e a destruir o Estado social – mantendo esses países na total dependência dos mercados financeiros, da banca, dos plutocratas e dos partidos políticos que alternam no poder sem verdadeiras alternativas.

Enquanto a União Europeia for regida por tratados iníquos, como o "Pacto Orçamental", e os países membros forem governados por políticos cúmplices dos eurocratas:

– a esmagadora maioria dos trabalhadores e desempregados continuará a ser considerada um factor secundário e descartável;

– as instituições democráticas continuarão ser consideradas um obstáculo ao poder do dinheiro e das grandes empresas multinacionais – e ao aumento contínuo das margens de lucro dos accionistas e plutocratas, que exigem constantemente a diminuição do custo do trabalho.

A alternância entre partidos políticos que não representam verdadeiras alternativas – conservadores, liberais, trabalhistas, social-democratas e socialistas, todos rendidos à ideologia neoliberal – continua a traduzir-se num rotativismo deprimente e estéril, na defesa dos interesses estabelecidos pelas classes dominantes, e na rejeição de qualquer ruptura:

– seja com as políticas económicas e financeiras neoliberais;

– seja com o poder das multinacionais, da banca e da plutocracia;

– seja com o exército de economistas mercenários e de jornalistas serventuários, que condicionam o espaço público em benefício do poder económico e financeiro (de que se tornaram dependentes).

A crescente endogamia política entre os partidos que alternam no poder tornou-os cada vez mais indiferenciados entre si, e cada vez mais distantes dos cidadãos. Hoje, um político que se diz moderado de centro-esquerda é muitas vezes um político envergonhado de centro-direita.

O culto da chamada Realpolitik (pau para toda a obra), do oportunismo e do pragmatismo sem princípios, conduziu a uma quebra da tensão ideológica na luta política democrática. Passaram a prevalecer as motivações materiais, os interesses pessoais e partidários, as conivências entre maioria e oposição que se diz moderada, a promiscuidade entre o poder político e o poder económico, o clientelismo e a sua irmã gémea, a corrupção.

É nestas águas turvas que se banha o chamado "centro do centro", ou "centrão", como também lhe chamam. E não me canso de evocar o que escreveu há muitos anos o grande constitucionalista e politólogo Maurice Duverger, sobre o “centro do centro”, a que ele chamava «juste milieu»:

«O centrismo favorece a direita. Aparentemente, as coligações do 'juste milieu' são dominadas ora pelo centro-direita, ora pelo centro-esquerda, seguindo uma oscilação de fraca amplitude. [...] Estas aparências mascaram uma realidade completamente diferente. Por trás da ilusão de um movimento pendular, o centro-direita domina quase sempre. [...] Em vez de implicar uma transformação lenta mas regular da ordem existente, a conjunção dos centros desemboca no imobilismo, isto é, no triunfo da direita».

4.

Infelizmente, o imobilismo neoliberal – imposto pelos eurocratas e por políticos ao serviço do poder económico e financeiro – gerou um assustador e indesejável subproduto: uma cidadania despolitizada, caracterizada pela indiferença e a resignação.

O neoliberalismo tornou-se o principal inimigo de uma genuína democracia participativa e acabou por instalar progressivamente na sociedade um «estado de excepção permanente» e uma «economia do medo» dominada pelos mercados financeiros.

Ora, a esquerda a que pertencemos tem de demonstrar que há verdadeiras alternativas às políticas impostas pelos mercados financeiros.

Países periféricos como Portugal não podem continuar a empobrecer para salvar bancos (sempre considerados demasiado grandes para falir) e que se apropriaram e condicionaram as políticas públicas com a conivência dos governos, endividando os Estados até limites insuportáveis.

O endividamento injusto e desproporcionado tem de ser denunciado. E a dívida pública tem de ser renegociada e reestruturada.

Porque é esse endividamento brutal que está na origem da ausência de investimento público, da degradação do Estado social, do empobrecimento das classes médias, do sofrimento de populações que já ultrapassaram os limiares da pobreza, do desemprego e da precariedade (que afectam, nomeadamente, os jovens).

Custa a compreender como é possível apoiar com milhares de milhões de euros entidades financeiras à beira da falência, ao mesmo tempo que se procede a cortes significativos em áreas tão essenciais como a educação, a saúde e a segurança social.

Como afirmou o filósofo esloveno Slavoj Zizek:

«O capitalismo actual move-se segundo uma lógica de apartheid, em que alguns, poucos, se sentem com direito a tudo, e a grande maioria é constituída por excluídos».

É contra tudo isto que a esquerda tem de lutar. Contra esta "lógica de apartheid". Contra a "economia do medo". Contra o "neoliberalismo de Estado". Contra o poder despótico dos "mercados financeiros", cuja legitimidade democrática é igual a zero.

Contra o "estado de excepção económica permanente". Contra esta autêntica "ditadura financeira de fachada democrática" que nos foi imposta pela «troika» e pelo governo de direita, e que mergulhou milhões de portugueses na pobreza, fazendo o País regredir perigosamente.

Fica aqui o aviso à chamada «esquerda de governo» ou «esquerda rotativa» (como eu lhe chamo), que pelos vistos não tem emenda: sem rupturas, essa «esquerda rotativa» irá claudicar mais uma vez, se alcançar o poder, perante forças não legitimadas democraticamente, que continuam a condicionar as vidas de milhões de portugueses.

Não há austeridade «suave», a não ser para os ricos e poderosos. A austeridade é sempre muito «dura» para a imensa maioria do povo.

Termino, sublinhando que o meu «voto útil» é um voto por convicção. Voto no Bloco de Esquerda porque me identifico há já alguns anos com os objectivos essenciais da sua luta!


Faro, 25 de Setembro de 2015 ALFREDO BARROSO

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