sábado, 26 de setembro de 2015

DESDE A TRAGÉDIA DA MORTE DE SEIS ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS NA PRAIA DO MECO....


Desde o Meco, há cuidados redobrados nas praxes e veteranos que recusam falar


INÊS BOAVENTURA

25/09/2015 - 21:26


No Porto, Coimbra e Minho, as associações académicas apostam na informação para garantir que não se multiplicam os casos que dão mau nome às praxes, como aconteceu com a aluna do Algarve que foi enterrada na areia e entrou em coma alcoólico.





Por estes dias, a zona do Jardim do Campo Grande, em Lisboa, é palco de praxes organizadas por veteranos de várias universidades
BRUNO LISITA





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É fácil encontrá-los: as vestes negras dos veteranos que os rodeiam, os gritos e cantilenas que entoam em coro, as roupas que envergam e as actividades que praticam não deixam dúvidas de que estamos na presença de grupos de caloiros em plena praxe. Bem mais difícil é conseguir que alguém fale sobre o que ali se passa. “As indicações que temos são para não falar”, alega um veterano, enquanto outro argumenta que tudo o que disser será certamente usado para passar uma má imagem das praxes.

Na tarde desta sexta-feira, são vários os grupos de veteranos e caloiros espalhados pelo relvado junto à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e pelo vizinho Jardim do Campo Grande. Organizados por cursos, daquela faculdade e de outras instituições nas proximidades, os recém-chegados à universidade fazem jogos e cantam, respondendo com rapidez e alguma subserviência às ordens dos estudantes trajados.

Quando a cantoria acaba, o PÚBLICO aproxima-se de um desses grupos e explica ao que vem. A resposta sai pronta da boca de uma das duas veteranas apresentadas como responsáveis pelas actividades: ninguém vai falar porque o que disserem será utilizado para passar uma má imagem das praxes. De nada serve tentar rebater essa ideia.

Um pouco à frente, nova tentativa fracassada. Desta vez, o rapaz trajado que segue à frente de um pequeno grupo de alunos da Universidade Lusófona alega ter “indicações para não falar”. Indicações de quem? Isso não diz, mas apressa-se a acrescentar que a proibição de prestar declarações é extensível aos caloiros, uma vez que estes estão sob sua “responsabilidade”.

Esta espécie de lei da rolha só é quebrada por um grupo do curso de Biologia da Faculdade de Ciência. Tomás Cunha, da comissão organizadora da praxe, explica que os últimos dias têm sido passados a fazer “jogos”, pensados para os caloiros “se libertarem e estarem à vontade uns com os outros”. “Vão estabelecer ligações entre eles, sentir que fazem parte de um grupo”, acrescenta.

Sobre casos como o do Meco e o do Algarve, o estudante de 21 anos fala em “desilusão” e lamenta a imagem que fica das praxes. “Como em tudo, há sempre extremos, exageros”, diz, admitindo que no ano que se seguiu às mortes tinha receio de que ninguém quisesse participar nas praxes. “Estávamos preocupados mas afinal tivemos bastante adesão”, conclui.

Tanto Tomás Cunha como André Carvalho, do conselho de veteranos, reconhecem que nos primeiros dias é fácil encontrar quem chegue à universidade com “receio” daquilo que as praxes implicarão. Um exemplo disso mesmo é o de Guilherme Gouveia, que confirma que quando chegou tinha “dúvidas” sobre aquilo que o esperava. Depois de três semanas de jogos, danças e cantorias, o estudante de 18 anos não hesita em dizer que gosta muito da praxe.

“É cansativo mas vale a pena”, diz por sua vez Bruno Pinto, de 18 anos, que conta que quando chegou decidiu “experimentar” as praxes. Agora não tem dúvidas de que estas são uma forma de “conhecer pessoas, fazer uma união no curso”. O mesmo diz Ana Cristina, de 22 anos, que fala em “convívio” e “integração” e lamenta que noutros lados se obrigue os caloiros a participar em “coisas muito humilhantes” em vez de se contribuir para que estes estabeleçam “elos de amizade” entre si e com os alunos mais velhos.

Salvaguardando que a organização das praxes cabe às comissões formadas nas universidades e não à Associação Académica de Lisboa, o presidente desta entidade reconhece que “desde o caso do Meco” tem havido “mais cuidado” de todos os envolvidos na recepção aos caloiros. “Infelizmente vai sempre haver casos e casos”, diz Francisco Duarte, que quer que se fale menos nos “casos maus” e mais nas “coisas muito boas” que se têm feito, como a participação de veteranos e caloiros em acções como pinturas de escolas e a organização de eventos cujas receitas revertem para causas sociais.

Em Coimbra, em 2014 como neste ano, os caloiros tropeçaram, durante o percurso burocrático que têm de fazer para se matricularem, em informação sobre a praxe, diz o presidente da Direcção-Geral da Associação Académica (DG/AAC), Bruno Matias. “Ficaram a saber que o objectivo da praxe é a integração e, principalmente, que não são obrigados a participar, que não podem penalizados se em quaisquer circunstâncias disserem 'não' e que devem denunciar todo e qualquer tipo de abuso, se ele se verificar”, explica.

Essa sessão de informação foi uma iniciativa conjunta da DG/AAC e do Conselho de Veteranos, que, segundo Bruno Matias, fazem “questão de deixar claro, junto dos caloiros, que serão os primeiros a protegê-los e a denunciar publicamente qualquer irregularidade, se for caso disso”.

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