domingo, 30 de junho de 2019

 

Freitas do Amaral. “Nunca mais fui convidado para qualquer cargo público ou privado”

António Pedro SantosLUÍS CLARO30/06/2019 14:22
O terceiro livro de memórias do fundador do CDS fala sobre a entrada no Governo de José Sócrates e os convites para voltar a candidatar-se a Belém. Freitas do Amaral diz que a direita nunca lhe perdoou a aproximação ao PS. “Fiquei sozinho”.
Antes de entrar no capítulo sobre a participação no Governo socialista, em 2005, Freitas do Amaral explica que a viragem do PSD e do CDS à direita tornaram inevitável a aproximação ao PS, que “se mantinha moderado”. Foi neste contexto que o “inevitável aconteceu” e recebeu o convite de José Sócrates para ministro dos Negócios Estrangeiros. “Foi esta, de longe, a decisão política que o eleitorado de direita mais detestou no decorrer da minha vida política”, escreve o fundador do CDS no terceiro livro sobre as suas memórias, que abrange o período entre 1982 e 2017.
Um dos capítulos é dedicado à sua entrada no Governo socialista. Freitas do Amaral aborda as críticas de que foi alvo, principalmente da área da direita, e considera que pagou “um preço demasiado alto por ter aceitado ser ministro independente de um Governo do PS”, porque “a grande maioria das pessoas” que o apoiou nas presidenciais, em 1986, “não percebeu, não gostou e, sobretudo, não perdoou”.
O fundador do CDS confessa mesmo que, desde que aceitou integrar um Governo socialista, nunca mais foi convidado para qualquer cargo público ou privado, de 2006 até hoje. “Foi com a direita zangada comigo, e com Sócrates desiludido por eu ter saído do seu Governo pelo meu pé, que terminou, no Verão de 2006, a minha carreira de homem público. Apesar de múltiplos serviços prestados ao país durante mais de três décadas, fiquei sozinho”.

Os convites de Durão e Sócrates
Freitas foi ministro dos Negócios Estrangeiros durante 15 meses e demitiu-se por razões de saúde. A aproximação ao PS valeu-lhe mesmo um convite para voltar a ser candidato à Presidência da República, mas desta vez com o apoio dos socialistas. O ex-líder do CDS conta a história com detalhe neste livro e revela que rejeitou “uma aventura dessas”.
O PS acabou por apoiar a candidatura de Mário Soares contra Cavaco Silva, mas José Sócrates chegou a confessar, numa conversa telefónica com Freitas do Amaral, que ele era o seu “candidato ideal”.
Freitas conta também que, em 2001, foi desafiado por Durão Barroso para se candidatar a Belém contra Jorge Sampaio. A conversa, em casa de Durão Barroso, no Campo Grande, acabou com o ex-líder do CDS a explicar que “não queria arriscar uma segunda derrota”. Durão argumentava que “era a grande oportunidade de uma desforra em relação a 1986”.
O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros faz ainda uma análise do Governo a que pertenceu “sem levar em conta” a acusação na Operação Marquês, porque respeita “a presunção da inocência”. Diz que “houve duas fases” na governação de José Sócrates: a primeira, entre 2005 e 2008, caracterizada pela “moderação ideológica” e “por uma série de inovações muito acertadas em matéria de justiça social”; a segunda fase, em que José Sócrates “desfez muito do que conseguiu fazer antes” e “negou a realidade de uma séria crise económica e financeira portuguesa”.

“Valeu a pena”
Neste livro, o último dedicado às memórias sobre a sua vida política, Freitas do Amaral faz um balanço dos 50 anos que lhe dedicou e acredita que valeu a pena. “Comecei cedo (aos 32 anos) e acabei cedo (aos 65). É assim a vida. Dou graças a Deus por ter chegado onde cheguei, por ter vivido o que vivi, e por nunca ter sido demitido, ou pressionado a demitir-me, de qualquer cargo público ou privado, em mais de duas dezenas de funções que exerci ao longo da vida”.

O apelo aos políticos
Freitas do Amaral termina este livro com um apelo aos políticos para que passem a dar prioridade ao combate à pobreza. “Quero lançar um desafio àqueles que nos governam e aos que se lhes seguirão: que adoptem como primeira prioridade da acção dos poderes públicos, até 2043 – ano em que se comemorarão os 900 anos da independência de Portugal –, a redução a zero dos 2,3 milhões de portugueses que vivem em situação de grande pobreza e exclusão social. Resolver este problema, que a todos nos envergonha, é o que mais sinceramente desejo para Portugal e para os portugueses”, escreve Freitas do Amaral.

Sem comentários:

Enviar um comentário